Politica

Exército quer direito de autodefesa e poder coercitivo ampliado no Rio

Alto comando do Exército quer salvaguardas para os homens que vão atuar nas comunidades do Rio, como, por exemplo, o pleno exercício do direito de autodefesa e poder coercitivo ampliado

Natália Lambert
postado em 21/02/2018 06:00
Fuzileiros navais participam de operação na Favela Kelson's, na Zona Norte da capital fluminense: polêmica leva o governo a praticamente descartar os mandados coletivos

O aval do Congresso Nacional à intervenção federal na segurança pública e no sistema prisional do Rio de Janeiro é apenas o começo. Ontem, depois de o ministro da Defesa, Raul Jungmann, defender o uso de mandados de busca e apreensão coletivos, o titular da Justiça, Torquato Jardim, teve de ser mais explícito ao afirmar que a Constituição será respeitada: pedidos terão nomes e endereços dos alvos, mas poderão ser feitos em conjunto por causa da ;singularidade; da região.

E os mandados coletivos estão longe de ser a única polêmica. Desde que foram surpreendidos com a notícia da intervenção, na madrugada da última sexta-feira, militares estão preocupados em garantir salvaguardas para atuarem nas comunidades do Rio de Janeiro. Uma das sugestões do alto comando do Exército é que militares tenham um dispositivo semelhante ao que os protegeu por mais de 10 anos durante a Missão de Estabilização no Haiti. Coordenados pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), havia a garantia de pleno exercício do direito de autodefesa e poder coercitivo ampliado. A legislação os amparava e os protegia de praticamente todo o tipo de processos na Justiça comum.

[SAIBAMAIS]Além disso, de acordo com a citação do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que, segundo o jornal O Globo, disse que eles querem ;garantias para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade no futuro;, militares pretendem aprimorar a Lei n; 13.491/17. A legislação, sancionada em outubro do ano passado, transferiu para a competência da Justiça Militar casos em que soldados cometam crimes contra civis durante operações de Garantia da Lei e da Ordem. Entretanto, eles alegam que ainda há brechas no texto que podem fazer com que eles acabem julgados por júri popular e prejudicados.

O pedido de integrantes das Forças Armadas é tratado com atenção no Palácio do Planalto. A intervenção federal coloca militares diretamente nas ruas e há um receio quanto ao resultado de prováveis conflitos. Mas qualquer avaliação será feita somente mediante sugestão do próprio Villas Bôas. ;Há uma preocupação do comandante de ter todas as garantias legais. Ninguém quer cometer delitos, e o presidente não vai fazer nada que seja ilegal. Pode ser que, se sentir a necessidade dar mais salvaguardas, o presidente encaminhe ao Congresso algum decreto ou texto que possa dar essa segurança;, afirma um interlocutor do presidente.

No Congresso, a possibilidade de votar, em ano eleitoral, medidas que protejam legalmente militares que entrarem em conflito com traficantes nas comunidades do Rio não seria bem-vista. Aliados dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), comentam que é uma decisão complicada demais para ir a voto. ;Acho muito pouco provável que os parlamentares se disponham a votar algum dispositivo que será encarado como uma ;licença para matar; aos militares;, afirma um deputado da base governista.

;Tenebroso;

Para o diretor jurídico e financeiro da ONG Conectas Direitos Humanos, Marcos Fuchs, não é pertinente comparar a situação vivida no Haiti com a dos morros do Rio, porque o foco principal da ONU é a paz e a garantia dos direitos fundamentais. ;O militar está preparado para lidar com uma situação de guerra, para garantir o Brasil soberano nas fronteiras e não para atuar contra traficantes de drogas e armas. É tenebroso você colocar a mentalidade militar dentro de uma delegacia de polícia;, comenta Fuchs.

Fuchs afirma que as entidades que lutam em prol dos direitos humanos se preparam para atuar ainda mais dentro das comunidades e acompanhar as ações. ;Infelizmente, vamos ver violações de direitos fundamentais a rodo. Ficaremos a postos para receber denúncias, filmar, entrevistar os moradores e estar junto para tentar coibir problemas. Parar a intervenção, infelizmente, não vamos conseguir, nem Ministério dos Direitos Humanos temos mais;, lamenta Fuchs, em referência à intenção do presidente de transferir a pasta para uma secretaria ligada ao Ministério da Justiça.

A entidade internacional Human Rights Watch Brasil também demonstrou preocupação por meio de uma nota publicada nas redes sociais: ;A atuação de membros das Forças Armadas em operações de policiamento é problemática, uma vez que estes são treinados para o ;combate ao inimigo;, para a guerra, não para o trabalho policial. Além disso, uma lei de outubro de 2017 que afasta os membros das Forças Armadas do julgamento em tribunais civis quando cometem execuções é uma receita para a impunidade;.

Para o professor de direito constitucional e ex-procurador regional da República Daniel Sarmento, quando se trata de respeito aos direitos fundamentais do cidadão, não existe ;meio termo; ou ;jeitinho;. ;Militar ou não, tem que respeitar o que está na Constituição. Nada justifica violação dos direitos das pessoas. A preocupação dos militares em garantir salvaguardas só evidencia que eles não são adequados para esse tipo de tarefa;, afirma Sarmento. ;A gente não vai sair de uma crise de violência cometendo mais violência e sepultando os direitos fundamentais. Pior, isso pode ser um caminho sem volta;, acrescenta.

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