Assim como no Brasil, as investigações atingem autoridades de alto escalão de governos de muitos países. O Peru virou um caso emblemático, após o ex-presidente Alejandro Toledo ter tido a prisão decretada, acusado de receber propina de US$ 23,9 milhões. Não só ele, mas todos os presidentes do país desde o ano 2000 são acusados de terem recebido propina da Construtora Odebrecht. A corrupção investigada pela Lava-Jato no país atinge também a ex-deputada Keiko Fujimori, principal líder da oposição. Alvo de uma ordem de prisão em fevereiro deste ano, Toledo vive atualmente na Califórnia, nos Estados Unidos, e não passou nem um dia na cadeia. Ele é considerado foragido.
Cerco
O ex-presidente peruano Ollanta Humala, que conduziu o país entre 2011 em 2016 foi preso em julho deste ano, acusado de lavagem de dinheiro e associação ilícita. A Justiça afirma que ele recebeu R$ 9,8 milhões em repasses ilegais. Na semana passada, o atual presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, foi acusado de ligações com pagamentos de propina. Documentos que indicam a participação dele nos atos investigados pela Lava-Jato foram entregues ao parlamento e estão sendo analisados por uma comissão criada exclusivamente para investigar pagamentos a políticos.
[SAIBAMAIS]O procurador da República Alan Mansur, que atua no combate à corrupção eleitoral, destaca que os desdobramentos da Lava-Jato no exterior estão começando a apresentar resultados de grande relevância. ;Nós temos sequências importantes da operação a nível internacional. Na América Latina, temos de destacar o Peru, que conseguiu ótimos resultados. Hoje, mais do que nunca, o dinheiro já não tem nacionalidade. É fácil levar recursos para fora, muitas vezes, sem deixar vestígio. Por isso, é necessária cooperação entre as autoridades dos países. Isso traz agilidade às investigações e fecha o cerco contra a corrupção;, afirma.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), durante a Operação Lava-Jato foram feitas centenas de pedidos de cooperação internacional. Até agora são 201 solicitações de cooperação ativa feitas a 41 países. Neste caso, o Brasil é quem pede a colaboração de outras nações para aprofundar as investigações. Já no caso de cooperação passiva, em que outros países solicitam ajuda do Brasil, foram recebidos 139 pedidos de 31 autoridades estrangeiras.
As investigações em andamento abrangem Estados Unidos, Argentina, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Dinamarca, Equador, Espanha, França, Israel, Suíça, Itália, México, Reino Unido, Rússia, Angola, Venezuela, Hong Kong e Portugal. Somente na Suíça foram bloqueados, até agora, R$ 3,2 bilhões depositados em contas bancárias supostamente envolvidas em esquemas de corrupção. O bloqueio só foi possível por conta da cooperação bilateral.
O cientista político Aninho Irachande Mucundramo, especialista em relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), destaca que, além de ser importante para as investigações em curso, as parcerias podem abrir portas ao Brasil para futuros acordos de combate aos crimes que ultrapassam os limites das fronteiras do país.
;Neste momento, em que o nossa nação tem papel fundamental nesses casos, é necessário ter agilidade e colaborar com provas concretas para as investigações. A comunidade internacional já tem uma certa desconfiança em relação ao Brasil, pois temos autoridades de alto escalão envolvidas em atos de corrupção. É necessário que a colaboração brasileira vá além do discurso. Com as demais nações adotando o princípio da reciprocidade, teremos portas abertas no futuro;, afirma.
Da América à Ásia
Fora do território nacional, as investigações avançam com mais força na América do Sul e nos Estados Unidos. Na Colômbia, por exemplo, o presidente Juan Manuel Santos é acusado de ter recebido caixa 2 (doações ilegais) para as campanhas eleitorais de 2010 e de 2014. De acordo com as investigações, entre as empresas que repassaram recursos ilícitos estão companhias brasileiras. Santos admitiu que sua eleição teve ajuda de dinheiro ilegal, mas disse que tudo foi negociado pelo seu coordenador de campanha, sem que ele soubesse.Com um prêmio Nobel da Paz no currículo, o presidente colombiano se disse envergonhado e pediu desculpas ao ser questionado pela Justiça Eleitoral sobre seu envolvimento com negócios ilícitos. Nos Estados Unidos, o Departamento de Estado já julgou 21 ações referentes à Lava-Jato e pretende ouvir 51 pessoas acusadas de participar de esquemas de corrupção. Como a maioria dos acusados é de nacionalidade brasileira, é necessário que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) conceda autorização.
As investigações da Lava-Jato também atravessaram o Oceano e foram parar no outro lado do planeta. Na Ásia, China, Hong Kong e Singapura dão os primeiros passos para investigar empresas e autoridades suspeitas de envolvimento com lavagem de dinheiro e pagamento de propina. Além disso, diversas obras de grande porte estão na mira de órgãos de controle desses países. Na China, a suspeita é de que executivos tenham aberto contas em bancos do país para guardar dinheiro de propina.
A apuração de recursos ilegais supostamente enviados à China ainda caminha a passos lentos. Já Hong Kong está no foco das investigações desde o ano passado. O território, mais aberto ao capital estrangeiro, pode ter se tornado um caminho atraente para criminosos envolvidos em esquemas de corrupção. As apurações, em parceria com o Brasil, começaram após, indícios recebidos pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, de que empresários de grandes empresas do ramo de infraestrutura enviaram recursos para lá.
Em nota, a Odebrecht afirmou que ;está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua;. A empresa ressalta que ;já reconheceu erros, pediu desculpas públicas, assinou um acordo de leniência com as autoridades de Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Equador e Panamá, e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas;.