Segundo a ministra, a portaria "atenua fortemente o alcance das políticas de repressão, de prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de escravo". Ela justificou a liminar afirmando que há "elevado risco de comprometimento dos resultados alcançados durante anos de desenvolvimento de políticas públicas de combate à odiosa prática de sujeitar trabalhadores à condição análoga à de escravo".
A portaria, de acordo com a ministra, "tem como provável efeito prático a ampliação do lapso temporal durante o qual ainda persistirá aberta no Brasil a chaga do trabalho escravo".
Rosa Weber afirma que a portaria restringe indevidamente o conceito de "redução à condição análoga a escravo" e, desta forma, "vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos".
Segundo ela, as definições conceituais da portaria sobre o tema do trabalho escravo são bastante restritivas e "não se coadunam com o que exigem o ordenamento jurídico pátrio, os instrumentos internacionais celebrados pelo Brasil e a jurisprudência dos tribunais sobre a matéria".
"Lista suja"
A ministra Rosa Weber criticou também as mudanças trazidas no ato em relação à "lista suja do trabalho escravo". "Nessa linha de argumentação, a exigência de ato prévio do Ministro do Trabalho para inclusão do empregador na "lista suja" do trabalho escravo, bem como para a divulgação dessa lista, como prescrevem o art. 3;, ? 3;, e o art. 4;, ? 1;, da Portaria n; 1.129/2017, são medidas administrativas que limitam e enfraquecem as ações de fiscalização, ao contrário de promoverem a diligência necessária para a adequada e efetiva fiscalização. Ainda constituem medidas que condicionam a eficácia de uma decisão administrativa a uma vontade individual de Ministro de Estado, que tem notório viés político. Lógica que inverte a postura técnica pela postura política em matéria de conteúdo técnico-jurídico", disse a ministra.
"Outro aparente retrocesso verificado na Portaria consiste na regra do parágrafo único do art. 5;, quando prescreve: ;As decisões administrativas irrecorríveis de procedência do auto de infração, ou conjunto de autos de infração, anteriores à data de publicação desta Portaria valerão para o Cadastro após análise de adequação da hipótese aos conceitos ora estabelecidos.; Verifica-se com essa regra a configuração de uma situação de anistia aos empregadores, ao se exigir que a análise da ilicitude do ato seja feita à luz de um novo quadro normativo, de uma nova hipótese fática. Tal regra afirma a impunidade dos ilícitos passados", disse ela.
Em outro ponto da decisão, Rosa Weber ressalva que nem todas as violações de direitos trabalhistas são trabalho escravo. "Se, no entanto, a afronta aos direitos assegurados pela legislação regente do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se submetidos os trabalhadores a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes, com a privação de sua liberdade e de sua dignidade, resulta configurada, mesmo na ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir, hipótese de sujeição de trabalhadores a tratamento análogo ao de escravos, nos moldes do art. 149 do Código Penal, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n; 10.803/2003", destacou.
A ministra pediu informações do Ministério do Trabalho, da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República sobre o tema. A procuradoria-geral da República, Raquel Dodge, já se manifestou, perante o Ministério do Trabalho, pedindo a revogação da portaria.