Na sentença de 238 páginas em que condena o ex-presidente Lula e mais seis réus, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos casos da Lava-Jato sem foro privilegiado, explica o esquema de corrupção cometido pelo petista envolvendo contratos da Petrobras com a empreiteira OAS. Além de Lula, também foram condenados no mesmo processo Roberto Moreira Ferreira, Fabio Hori Yonamine, Marisa Letícia Lula da Silva, Paulo Okamotto, Agenor Franklin Magalhães Medeiros, Jose Adelmario Pinheiro Filho (Léo Pinheiro) e Paulo Roberto Valente Gordilho.
[SAIBAMAIS]Antes de dar a sentença, Moro rebateu as acusações da defesa de Lula de que ele não é um juiz imparcial e de que houve motivação política por trás da denúncia. Ele também se defendeu em relação à condução coercitiva do ex-presidente, que gerou polêmica entre militantes e juristas.
A denúncia foi feita por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito na Operação Lava-Jato. No entanto, o juiz ressaltou que as provas indicam que o caso vai além desses crimes, ou seja, que o esquema ilícito na Petrobras serviu para financiar partidos e corromper políticos. Para o Ministério Público Federal, que elaborou a denúncia, Lula sabia do esquema e participou dele.
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Veja os trechos:
"Surgiram, porém, elementos probatórios de que o caso transcende a corrupção - e lavagem decorrente - de agentes da Petrobrás, servindo o esquema criminoso para também corromper agentes políticos e financiar, com recursos provenientes do crime, partidos políticos."
"Alega o Ministério Público Federal que o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva teria participado conscientemente do esquema criminoso, inclusive tendo ciência de que os Diretores da Petrobrás utilizavam seus cargos para recebimento de vantagem indevida em favor de agentes políticos e partidos políticos."Propina
O documento elaborado por Moro alega que o MPF estima propinas de mais de R$ 87 milhões no esquema envolvendo a Petrobras e o grupo OAS. Segundo o juiz, o PT teria recebido um terço desse valor. Lula teria ficado com mais de R$ 3 milhões, recebidos na forma do triplex de Guarujá, além de ter armazenado bens do presidente e de presentes recebidos durante seu mandato.
"Estima o MPF que o total pago em propinas pelo Grupo OAS decorrente das contratações dele pela Petrobrás (...) alcance R$ 87.624.971,26, correspondente a 3% sobre a parte correspondente da Construtora OAS nos empreendimentos referidos."
"Parte desses valores, cerca de 1%, teriam sido destinados especificamente a agentes políticos do Partido dos Trabalhadores e teriam integrado uma espécie de conta corrente geral de propinas entre o Grupo OAS e agentes do Partido dos Trabalhadores."
"Destes valores, R$ 3.738.738,00 teriam sido destinados especificamente ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os valores teriam sido corporificados na disponibilização ao ex-Presidente do apartamento 164-A, triplex, do Condomínio Solaris."
"Na mesma linha, alega que o Grupo OAS teria concedido ao ex-Presidente vantagem indevida consubstanciada no pagamento das despesas, de R$ 1.313.747,00, havidas no armazenamento entre 2011 e 2016 de bens de sua propriedade ou recebidos como presentes durante o mandato presidencial."
Defesa
As defesas de Lula e Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, questionaram a imparcialidade do juiz, mas Moro negou: "Trata-se de questão já superada", escreveu na sentença. Moro ainda negou que a condenação esteja relacionada à visão polítca de Lula ou às eleições de 2018. O juiz chamou as acusações da defesa de Lula de "diversionismo", tática para tirar o foco da questão real.
"Em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontra em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu Governo.
Também não tem qualquer relevância suas eventuais pretensões futuras de participar de novas eleições ou assumir cargos públicos."
"Os questionamentos sobre a imparcialidade deste julgador constituem mero diversionismo e, embora sejam compreensíveis como estratégia da Defesa, não deixam de ser lamentáveis já que não encontram qualquer base fática e também não têm base em argumentos minimamente consistentes."
Moro cita ainda eventos em que teria sido ofendido pelas defesas de Lula e Paulo Okamotto, mas alega ter sido imparcial apesar disso.
"Ora, basta ler os diversos depoimentos transcritos de acusados e testemunhas nesta ação penal para constatar que este julgador sempre tratou os defensores com urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade."
"Pontualmente, o Juízo ainda foi ofendido pelos defensores, como se verifica em alguns trechos desses lamentáveis episódios.
Decisão
Outro ponto de destaque na sentença do juiz Sérgio Moro é a defesa do magistrado em relação às próprias decisões, incluindo a condução coercitiva. Na época em que ocorreu, a ação foi criticada por militantes da esquerda e também por juristas. Entretanto, Moro assegura que "a decisão está amplamente fundamentada".
"Não desconhece este Juízo as controvérsias jurídicas em torno da condução coercitiva, sem intimação prévia.
Mas, no caso, a medida era necessária para evitar riscos aos agentes policiais que realizaram a condução e a busca e apreensão na mesma data."
"Ainda que se possa eventualmente discordar da medida, há de se convir que conduzir alguém, por algumas horas, para prestar depoimento, com a presença do advogado, resguardo absoluto à integridade física e ao direito ao silêncio, não é equivalente à prisão cautelar, nem transformou o ex-Presidente em um "preso político". Nada equivalente a uma "guerra jurídica"."
Audios
Em relação aos áudios de conversas interceptados do ex-presidente, Moro negou intenção de prejudicar a imagem de Lula com a divulgação dos arquivos.
"Há muito mais diálogos interceptados além daqueles que restaram publicizados, mas que, por não serem relevantes para a investigação, foram preservados e assim permanecem até o momento em mídias arquivadas perante o Juízo."
"Fosse intenção deste Juízo expor a privacidade do ex-Presidente e de seus familiares, todos eles teriam sido divulgados, ou seja, centenas de diálogos adicionais, o que não foi feito."
"Há, é certo, alguns diálogos que parecem banais e eminentemente privados, mas exame cuidadoso revela sua pertinência e relevância com fatos em investigação, como por exemplo diálogos nos quais os interlocutores combinam encontros, inclusive em uma propriedade rural na região de Atibaia, e que embora não tenham conteúdo ilícito próprio servem como indícios da relação do ex-Presidente com a referida propriedade, o que é objeto de outra ação penal."
Moro escreveu ainda que "não deve o Judiciário ser guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento".
Imprensa
O juiz lembrou a coletiva de imprensa de 14 de setembro de 2016, que repercutiu na mídia e nas redes sociais por causa da apresentação elaborada pelo procurador Deltan Dellagnol.
"Ainda que eventualmente se possa criticar a forma ou linguagem utilizada na referida entrevista coletiva, isso não tem efeito prático para a presente ação penal."
"Ainda que eventualmente se possa entender que a entrevista não foi, na forma, apropriada, parece distante de caracterizar uma "guerra jurídica" contra o ex-Presidente."
O juiz defende a liberdade de expressão e diz que cabe à imprensa ;noticiar livremente os fatos;. Ele alega que não há fundamento no argumento da defesa de que Moro teria se beneficiado da divulgação de notícias negativas sobre Lula.
;Não há qualquer dúvida de que deve-se tirar a política das páginas policiais, mas isso se resolve tirando o crime da política e não a liberdade da imprensa.;
"De todo modo, este Juízo não controla e não pretende controlar a imprensa, nem tem qualquer influência em relação ao que ela publica."
"No fundo, portanto, é mais uma tentativa de diversionismo em relação ao mérito da acusação e de apresentar o ex-Presidente como vítima de uma "guerra jurídica" inexistente."