Além do trâmite natural de uma PEC ser longo (veja quadro), o clima na Casa ao lado, na qual 10% dos deputados são réus no Supremo Tribunal Federal (STF) e mais de 200 são investigados, não é muito amistoso com o tema. Na opinião de um peemedebista investigado na Operação Lava-Jato, o Senado foi esperto ao jogar essa ;bomba; no colo da Câmara. ;Vai ter muito discurso e pouca ação. Não é do interesse de ninguém perder o foro, ainda mais neste momento;, comenta.
O diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, acredita que a chance de os deputados aprovarem o fim do foro privilegiado é praticamente mínima. ;Passou no Senado por uma situação muito específica, que foi atrelada ao projeto de abuso de autoridade. Com o tanto de investigados, eles estão preocupados em se salvar;, diz. O professor do mestrado de administração da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) Jésus de Lisboa Gomes é mais otimista. Segundo ele, o momento não permite que os deputados se esquivem de votar a PEC. ;A pressão vai ser muito forte. Há um rancor e um desejo de vingança muito grande na sociedade, que, realmente, acredita que o fim do foro é uma solução para fazer com que os políticos corruptos paguem por seus crimes. Provavelmente, vão fazer modificações, mas não acredito que não vão aprovar o projeto;, prevê.
Na opinião do próprio relator da matéria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a Câmara não tem ideia do problema que eles terão pela frente, já que a pressão popular está muito grande para que o privilégio acabe. ;Eu, honestamente, espero que os deputados deem uma resposta adequada ao tema antes até de o Supremo se manifestar. É obrigação do Legislativo acabar com o foro por prerrogativa de função;, comentou.
No Supremo
O Supremo marcou para o fim de maio o julgamento de uma ação, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que diz que os detentores de foro privilegiado somente devem responder a processos criminais no STF se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato. No despacho, Barroso faz críticas ao sistema e afirma que ele é feito para não funcionar. Existem na Corte aproximadamente 500 processos contra parlamentares. ;O prazo médio para recebimento de uma denúncia pelo STF é de 565 dias. Um juiz de 1; grau a recebe, como regra, em menos de uma semana, porque o procedimento é muito mais simples;, compara no texto.
Para o coordenador do projeto Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ivar Martins Hartmann, a proposta de limitar o foro a crimes cometidos durante o cargo seria um passo importante, mas o projeto aprovado pelo Senado é a melhor alteração. Hartmann destaca dois motivos para o foro deixar de existir: a tramitação dos processos que não caminham no Supremo porque o tribunal não consegue julgá-los em tempo hábil, já que não foi feito para isso e porque ele acaba com uma longa cultura de privilégios no Brasil. ;Temos uma elite que não é julgada da mesma forma que o cidadão brasileiro médio, que o eleitor. Se um juiz de primeira instância é bom o suficiente para um cidadão brasileiro, pagador de impostos, então, ele é bom o suficiente para um deputado ou um senador;, afirma.
Ministros investigados
A Comissão de Ética Pública da Presidência decidiu ontem, por unanimidade, abrir investigação contra os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), Eliseu Padilha (Casa Civil) e Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), por supostas infrações éticas no relacionamento com a Odebrecht. Os três ministros terão 10 dias para prestar esclarecimentos à comissão a partir da notificação, que deve ser feita no sábado. Padilha disse que só vai se pronunciar quando for notificado oficialmente sobre a decisão. O ministro Moreira Franco afirmou que não recebeu ;nenhuma comunicação oficial;. Kassab afirmou que ;sempre pautou sua atuação pela ética e pelo cumprimento da legislação.;
Um longo caminho
; A proposta que acaba com a prerrogativa de foro, aprovada em primeiro turno no Senado, ainda precisa ser aprovada em segundo turno e, em seguida, vai para a Câmara dos Deputados. Confira o trâmite:
; Ao chegar à Câmara, a proposta de emenda à Constituição (PEC) será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para que seja aprovada a admissibilidade.
; Ao sair da CCJ, a Mesa Diretora cria comissão especial para analisar o mérito, que tem, no máximo, 40 sessões para apreciar um parecer.
; Aprovada na comissão, o texto vai a plenário para ser apreciado também em dois turnos, com prazo mínimo de cinco sessões entre eles.
; Se a Câmara alterar o texto aprovado no Senado, ele tem que voltar para análise dos senadores. Existe ainda a chance de se criar um efeito pingue-pongue, já que, no caso de uma PEC, é necessário consenso entre as duas Casas. Quando isso ocorre, normalmente, os pontos em comum são promulgados e os outros ficam de fora e viram objeto de uma nova PEC.