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Dilma tinha conhecimento de caixa 2 para campanha, dizem marqueteiros

De acordo com os depoimentos colhidos, a Odebrecht teria acertado pagar R$ 70 milhões a João Santana e Mônica Moura via caixa 1 e outros R$ 35 milhões por meio de caixa 2


Santana conversou com a então presidente da República em meados de maio de 2014 sobre os pagamentos que seriam feitos via caixa 2. O atraso nos repasses foi tratado posteriormente por Mônica em encontros com Guido Mantega e Edinho Silva, ex-tesoureiro da campanha.

A presidente também quis saber do casal se era seguro o pagamento feito por meio de uma conta no exterior, de acordo com relatos feitos à reportagem.

O casal, responsável pelas campanhas de Dilma em 2010 e 2014, prestou depoimento ao ministro Herman Benjamin, no âmbito da ação que apura se a chapa de Dilma-Temer cometeu abuso de poder político e econômico para se reeleger. A audiência começou por volta das 9h20, sendo que Mônica foi a primeira a deixar o local, ao meio-dia. Já Santana deixou a sede do TRE um pouco antes das 15h.

De acordo com os depoimentos colhidos, a Odebrecht teria acertado pagar R$ 70 milhões ao casal via caixa 1 e outros R$ 35 milhões por meio de caixa 2. Da parte não contabilizada, os marqueteiros só teriam recebido algo entre R$ 10 milhões e R$ 12 milhões, deixando uma "dívida" na casa de R$ 25 milhões. O restante do pagamento, que seria feito usando uma conta no exterior, teria ficado comprometido com o avanço da Operação Lava Jato.

Delatores

Em depoimento prestado ao TSE no mês passado, o ex-executivo da Odebrecht Hilberto Mascarenhas - que chefiou de 2006 a 2015 o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, conhecido como departamento da propina da empreiteira - havia dito que todo o contato de pagamento ao casal era feito com Mônica, que estaria entre os "top five" - na lista dos cinco maiores recebedores de dinheiro do setor de propinas.

De acordo com outro delator da empresa, o ex-diretor de Crédito à Exportação da Odebrecht Engenharia e Construção João Nogueira, o empreiteiro Marcelo Odebrecht teria enviado à presidente Dilma Rousseff, por meio do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), documentos que demonstravam o caixa dois em sua campanha de 2014. Segundo Nogueira, Marcelo viajou a Belo Horizonte em 17 de dezembro de 2014 e lá se encontrou com Pimentel. Naquela ocasião, teria apresentado ao petista o material sobre os repasses ilegais à chapa Dilma-Michel Temer.

O delator explicou que o recado foi levado a Dilma, conforme lhe teria dito o próprio Pimentel numa conversa posterior, também em BH. Dilma teria pedido a Giles Azevedo, um de seus auxiliares mais próximos, para ficar "em cima do tema contribuições".

Em um dos seus depoimentos prestados no âmbito do acordo de colaboração premiada com a Lava Jato, Marcelo assumiu pagamentos de propina para o PMDB e o PT por conta do contrato PAC SMS da diretoria Internacional da Petrobras. Segundo o delator, tanto a ex-presidente da estatal Graça Foster como a ex-presidente foram informadas sobre os pagamentos ilícitos.

Na conversa com Dilma, segundo Marcelo, teria transparecido que a então presidente queria saber se seu vice, Michel Temer, teria recebido valores oriundos do contrato.

Assalto

O ex-assistente do casal André Santana relatou no TSE nesta segunda, 24, a logística dos pagamentos não contabilizados efetuados pela Odebrecht. Responsável por recolher o dinheiro em espécie na maior parte das vezes, André teria sido assaltado ao deixar um hotel de São Paulo após receber um pagamento de R$ 1,5 milhão.

Os depoimentos de Santana, Mônica e André foram pedidos pelo vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino.

Relator dos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin homologou no dia 4 deste mês o acordo de colaboração premiada dos três.

Procurada pela reportagem, a defesa do casal informou que reitera o "compromisso de colaborar com a Justiça" e ressaltou que "os depoimentos prestados permanecem em sigilo tendo em vista a determinação do STF".

Defesas

Até a publicação deste texto, a defesa de Dilma Rousseff não havia se pronunciado. No entanto, há duas semanas, a assessoria de Dilma reiterou o teor de nota já divulgada anteriormente, na qual alegava ser mentira que tivesse conhecimento de "quaisquer situações ilegais que pudessem envolver a Odebrecht e seus dirigentes, além dos integrantes do próprio governo ou mesmo daqueles que atuaram na campanha da reeleição".

"Após meses de insinuações, suspeitas infundadas e vazamentos seletivos de acusações feitas indevidamente por dirigentes da Odebrecht, finalmente Dilma Rousseff terá acesso a íntegra das declarações. Não conseguirão atingir a sua honra e a sua vida pública, porque tais acusações são mentirosas", dizia o comunicado.

Em nota, o advogado Eugênio Pacelli, que defende o governador de Minas, afirmou que, sobre esses fatos, "parece muito fácil demonstrar que o delator nada diz de concreto". "Afirma ter mandado recado à ex-presidente, recado esse que seria a comprovação de que ele poderia se transformar em um delator, se algo não fosse feito. Pela lógica dele, nada se fez. Transformou-se em um. Melhor: no principal delator", diz a nota

"O governador Fernando Pimentel esclarece que sempre teve consciência da impossibilidade de qualquer interferência política na condução da Lava Jato. E foi esse o seu comportamento desde sempre. Tanto o juiz Sérgio Moro, quanto os membros do Ministério Público Federal são constitucionalmente independentes e não podem sofrer qualquer tipo de influência em seus atos. Jamais relataram algo nesse sentido em relação ao governador", completa. O advogado também diz que é importante ressaltar que também não houve iniciativa legislativa da ex-presidente para qualquer fim contrário às investigações. "Precisamos de mais fatos e menos boatos", finaliza.