O ex-presidente da maior construtora do país, Marcelo Odebrecht, afirmou, em delação premiada, que a ex-presidente Dilma Rousseff escalou, em 2015, o ministro Aloizio Mercadante interlocutor do governo "junto à Odebrecht" para tratar de assuntos ligados à Operação Lava-Jato. As delações premiadas de executivos da empreiteira mostram que o governo federal foi procurado diversas vezes para obter informações sobre vazamento de investigações e tentar interferências na Justiça para livrar empresários da cadeia.
Marcelo disse que "no intuito de obter fundamentos que pudessem levar à nulidade dos processos criminais conduzidos no âmbito da Operação Lava-Jato", e "baseado no fato de que a CNO (Construtora Norberto Odebrecht) e o Governo Federal tinham interesses comuns sobre as investigações", a empreiteira teve acesso a representantes do Planalto.
Segundo ele, o diretor jurídico da Odebrecht, Maurício Ferro, "chegou a solicitar ao secretário da Presidência Gilles Azevedo que o governo interferisse junto aos Tribunais Superiores para soltura dos executivos da OAS e UTC até então presos". No entanto, Marcelo diz não saber se, de fato, o governo intercedeu em favor da empreiteira.
O ministro José Eduardo Cardozo teria sido procurado duas vezes por executivos da Odebrecht, segundo as delações. Em 2014, a empreiteira queria que o Ministério da Justiça aprofundasse investigações sobre grampos na cela de Alberto Youssef a fim de estancar o vazamento de informações. Já em 2015, a Odebrecht almejava "informações a respeito de documentos relativos aos processos de Cooperação Internacional". Em ambos os episódios, os executivos dizem não ter tido retorno do então ministro da Justiça.
De acordo com delatores, o governador de Minas Fernando Pimentel, que acabara de ser eleito, em 2014, também foi acionado e chegou a repassar à então presidente Dilma, informações da Odebrecht de que teria havido caixa dois na campanha daquele ano. O delator João Nogueira relatou que, segundo Pimentel, a presidente teria ficado "preocupada".
O ex-presidente da Odebrecht relatou ainda ter se encontrado pessoalmente com a ex-presidente no Palácio da Alvorada, onde solicitou um interlocutor "junto à Odebrecht para coordenar o tratamento de questões relacionadas à Operação Lava-Jato".
O executivo alega que Dilma escalou o então ministro da Casa Civil Aloísio Mercadante para tratar do tema. A Mercadante, Marcelo Odebrecht diz ter entregue "notas" sobre o assunto.
Em reunião com Aldemir Bendine - então presidente do Banco do Brasil que se apresentava, segundo executivos da Odebrecht, como "interlocutor" do Planalto -, na sede do Banco do Brasil, em São Paulo, Marcelo disse notar que o executivo do BB "estava de posse de uma pasta verde com o brasão da Presidência da República que continha as minhas notas direcionadas a Mercadante".
Defesas
Na semana passada, em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, Dilma reagiu enfaticamente. "O senhor Marcelo Odebrecht faltou com a verdade." Ela afirmou: "É fato notório que Dilma Rousseff nunca manteve relação de amizade ou de proximidade com o senhor Marcelo Odebrecht. Muitas vezes os pleitos da empresa não foram atendidos por decisões do governo, em respeito ao interesse público. Essa relação distante, e em certa medida conflituosa, ficou evidenciada em passagens do depoimento prestado pelo senhor Marcelo Odebrecht."
Dilma sustenta que "é mentira" que tivesse conhecimento de "quaisquer situações ilegais que pudessem envolver a Odebrecht e seus dirigentes, além dos integrantes do próprio governo ou mesmo daqueles que atuaram na campanha da reeleição".
"Ele (Odebrecht) não consegue demonstrar tais insinuações em seu depoimento", desafiou a petista na nota. "E por um simples motivo: isso nunca ocorreu. Ou seja: o senhor Marcelo Odebrecht faltou com a verdade."
A nota enfatizava, ainda. "Também são falsas as acusações de que Dilma Rousseff tenha tomado qualquer decisão para beneficiar diretamente a Odebrecht ou mesmo qualquer outro grupo econômico. Todas as decisões do seu governo foram voltadas ao desenvolvimento do país, buscando o bem-estar da população, a partir do programa eleito nas urnas."
Em nota, a Assessoria de Imprensa de Aloizio Mercadante esclareceu:
"O ex-ministro, Aloizio Mercadante, nunca recebeu delegação da presidenta Dilma para tratar de assuntos referentes à Lava-Jato, como ela mesma já confirmou em nota pública. Este tema era acompanhado pelo governo junto ao Ministério da Justiça, AGU e CGU.
No início de 2015, o sr. Marcelo Odebrecht esteve no Palácio do Planalto, ocasião em que a chefia de gabinete da Presidência solicitou à Casa Civil que o recebesse. Neste encontro, o sr. Marcelo Odebrecht apresentou um resumo técnico-jurídico em contestação à decisão administrativa da Petrobrás, de 30 de dezembro de 2014, de suspender todos contratos com 23 fornecedores da empresa, incluindo todo o grupo Odebrecht. A contestação argumentava sobre a ilegalidade do ato administrativo da Petrobrás por não estar ancorado em decisão judicial e pela abrangência que poderia impactar todas empresas do grupo. Manifestou, ainda, grande preocupação com a Lei Anticorrupção que poderia ampliar esta atitude para toda a administração pública e estatais, mesmo as que não eram investigadas, ameaçando a estabilidade financeira da empresa e o emprego de 150 mil trabalhadores.
Como não cabia ação específica do governo, o ex-ministro encaminhou o parecer técnico-jurídico para o presidente da Petrobrás Ademir Bendine, pois já haviam recursos jurídicos de várias empresas contra esta decisão da Petrobrás na Justiça.
A própria Procuradoria-Geral da República (PGR) não verificou qualquer indício de irregularidade no caso, tanto que não há nenhuma iniciativa da PGR relacionada ao ex-ministro quanto a este episódio, uma vez que é responsabilidade legal da Casa Civil monitorar e acompanhar toda a administração direta, autarquias e estatais.
Mercadante está à inteira disposição das autoridades competentes para quaisquer novos esclarecimentos."