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Politica

Após divulgação da lista de Janot, clima de desconforto atinge o Congresso

Divulgação da "lista de Janot" provoca um clima de tensão entre deputados e senadores. Temer discutirá hoje reforma política com Rodrigo Maia, Gilmar Mendes e Eunício Oliveira

A lista enviada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal, com 83 pedidos de inquérito, causou desconforto e uma multiplicação de escusas e esquivas entre deputados e senadores. ;Eu achei que teria muita gente, por aqui, alegando doença hoje. Até que o plenário está cheio;, provocou um parlamentar, dirigindo-se a um colega um pouco mais tenso.
Com a perspectiva concreta de ter pelo menos dois ministros próximos citados nas delações ; Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil) ;, o Planalto calou-se. Hoje, o presidente Michel Temer reúne-se com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes.

Oficialmente, o quarteto vai debater reforma política e caminhos para o financiamento eleitoral em 2018. Mas o Congresso ferve por caminhos para se blindar, escapando do forno da Lava-Jato. Aumentou a pressão para que a Câmara aprove, por exemplo, uma anistia ao caixa dois. ;Pelo amor de Deus, isso não vai passar, não há clima. Alguém acha que o presidente Temer chegou ao poder para permitir isso?;, despistou um interlocutor presidencial.

Enquanto não conseguem, deputados e senadores vão se desviando dos obstáculos com discursos prontos. ;Como diz o mercado, está tudo precificado;, brincou o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), para, logo depois, expressar a preocupação que permeia o Congresso. ;Ninguém sabe aonde isso vai dar.;

O petista lembrou que, além dos 83 inquéritos encaminhados por Janot ao relator da Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, existem outros 211 remetidos às instâncias inferiores, por se tratarem de prefeitos, governadores, deputados estaduais e secretários de Estado. ;Haja calmante hoje nesta cidade;, provocou o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE).

Em um primeiro momento, Costa chegou a ser irônico ao afirmar que ;eram apenas 83 políticos que seriam investigados pelo STF;. Foi rapidamente corrigido. Não eram 83 parlamentares, e sim 83 pedidos de inquérito, cada um podendo conter mais de um nome. No caso do mensalão, por exemplo, todos os indiciados tinham seus nomes incluídos em apenas um inquérito. ;É mesmo? Eu acabei de dizer que achava que era pouco. No meu estado, tem um partido inteiro em pânico;, completou Costa, referindo-se ao PSB.

;Tem muita gente por aqui que aparenta tranquilidade porque é especialista em inquérito. Mas, não tenham dúvidas, o país vai sair melhor deste episódio;, apostou. Responsável por elaborar a proposta de reforma tributária na Câmara, Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) afirma que a própria legislação eleitoral permite que as empresas doem 2% de seu faturamento para campanhas eleitorais. ;Uma empresa com
R$ 100 bilhões de faturamento podia doar R$ 2 bilhões. Ainda assim, elas buscaram caminhos escusos para doar.;

Votações
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que o Senado tentou aparentar normalidade ontem, nos momentos que antecederam a divulgação do total de inquéritos encaminhados por Janot ao STF. Mas acredita que haverá efeitos colaterais nas votações. ;Com toda a base do governo comprometida, provavelmente, nas delações que serão reveladas, não acredito que ele tenha a mesma condição de estabilidade que tem hoje. É uma contaminação de toda a agenda do governo para o Legislativo.;
Na opinião do líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC), a lista de Janot pode gerar algum atraso nas votações em curso no Congresso, mas nada significativo. ;O Senado tem de cumprir o seu dever constitucional. Naturalmente que a lista, se alcançar alguns senadores, vai trazer alguma consequência, algum atraso, mas não com a dificuldade de continuarmos votando os assuntos de interesse do país.;
Memória
Lista é três vezes maior
A segunda lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, supera em mais de três vezes a primeira enviada ao Supremo Tribunal Federal, em 6 de março de 2015. Naquela ocasião, foram pedidos 28 inquéritos contra 49 deputados e senadores com base nas delações premiadas do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Agora, são 83 pedidos de investigação contra políticos com foro privilegiado e mais 211 processos de declínio de competência ; para que as investigações continuem em instâncias inferiores, como a 13; Vara Federal de Curitiba, que tem à frente o juiz Sérgio Moro ; e nove arquivamentos e 19 ;outras providências;

A ;Lista de Janot; foi a primeira grande turbulência que a Lava-Jato provocou no mundo político. No entanto, dois anos depois, apenas três integrantes do documento ; os ex-deputados Eduardo Cunha, Pedro Corrêa e Luiz Argôlo ; estão atrás das grades. No primeiro pedido enviado ao Supremo, os senadores Antonio Anastasia (PSDB) e Lindbergh Farias (PT) tiveram seus inquéritos arquivados a pedido de Janot por falta de provas ou indícios de que participaram em esquema de corrupção. O ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB) também teve um de seus inquéritos arquivados, mas continua sendo investigado em outros nove processos da Lava-Jato.