A decisão do Supremo Tribunal Federal, na semana que passou, de investigar o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) por suspeitas de irregularidades em doações legais feitas pela construtora Andrade Gutierrez durante a campanha de 2010, ligou o alerta para uma infinidade de políticos que receberam apoio financeiro de empresas investigadas na Lava-Jato. Alvo da vez do mundo jurídico pela divulgação, ao longo dos próximos dias, das delações feitas por ex-executivos, a Odebrecht foi generosa durante a campanha de 2014. Levantamento feito pelo Correio e confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a empresa doou, por intermédio de todas as integrantes da holding Odebrecht, quase R$ 88 milhões a candidatos de diversos partidos que disputaram vários cargos, desde deputados estaduais à Presidência da República.
Do montante, pouco mais de R$ 66 milhões foram repassados aos diretórios dos partidos ; sejam os nacionais, sejam estaduais ; e quase R$ 22 milhões, diretamente aos candidatos. Juntos, Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), que disputaram o segundo turno das eleições presidenciais há dois anos, receberam R$ 11,250 milhões. Além deles, 21 governadores foram beneficiados, em média, com doações de R$ 200 mil, totalizando R$ 3,3 milhões. Para o Congresso, 11 candidatos ao Senado foram patrocinados com um total de R$ 550 mil, e 95 candidatos a deputado receberam, somados, R$ 3 milhões. As demais foram contribuições para políticos que pleiteavam o mandato de deputado estadual.
Mesmo com a ressalva fundamental de que as doações apresentadas pelo TSE são todas legais, é impossível não traçar alguns paralelos de fluxos de doações com a participação, direta ou indireta, de pessoas citadas nas delações que já vazaram na Lava-Jato. O PMDB, por exemplo, foi a legenda que mais recebeu recursos da empresa outrora presidida por Marcelo Odebrecht: R$ 19,4 milhões. Deste montante, R$ 14,5 milhões seguiram para o diretório nacional. Entre as filiais estaduais, a que recebeu mais doações foi a da Bahia, com R$ 2,8 milhões.
A maior estrela do PMDB baiano é o ex-ministro Geddel Vieira Lima, investigado diretamente na Operação Cui Bono? (que significa a quem interessa?), um desdobramento da Lava-Jato. Logo atrás aparece Alagoas, comandada pelo senador e líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), com R$ 850 mil. Roraima, do senador Romero Jucá, fica em uma posição mais modesta, com R$ 150 mil em doações da Odebrecht.
PSDB e PT
No caso do PSDB, cujo presidente nacional da legenda, Aécio Neves, foi citado pelo ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura Benedito Júnior por ter, supostamente, pedido, por caixa dois, R$ 9 milhões para as campanhas de Pimenta da Veiga ao governo mineiro; Antonio Anastasia ao Senado; e Dilmas Toledo Filho para deputado estadual, é inegável a preferência da Odebrecht pelo diretório tucano mineiro. Dos R$ 18,2 milhões que a empreiteira doou para o PSDB, R$ 11,9 milhões foram para o diretório nacional e, entre os estaduais, o PSDB de Minas era o preferido, com R$ 810 mil em doações. Aécio nega qualquer tipo de irregularidade.
O PT, que esteve no governo ao longo dos últimos 13 anos, teve grande parte das suas doações feitas pela Odebrecht por meios legais concentrados no diretório nacional, com R$ 9,4 milhões dos R$ 14,7 milhões. Durante depoimento ao relator do processo que tramita no TSE, contudo, Marcelo Odebrecht apresentou um número bem maior: R$ 150 milhões, dos quais 80% deste valor ; aproximadamente R$ 120 milhões ; seriam de maneira ilegal.
O diretório estadual que mais recebeu verbas estava ligado, em 2014, a outra estrela da Lava-Jato, o senador cassado Delcídio do Amaral. O diretório petista sulmato-grossense recebeu R$ 3 milhões da Odebrecht no ano em que Delcídio concorreu ao governo estadual. ;Toda essa confusão em torno da situação do senador Raupp deixou o Congresso muito preocupado e disposto a disciplinar o passado, tentando anistiar o caixa dois;, afirmou o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Antonio Augusto de Queiroz.
Para Toninho, a situação ganha contornos ainda mais dramáticos porque entendimentos feitos pelo Supremo podem gerar, pela súmula vinculante, interpretações semelhantes nas instâncias inferiores. ;Claro que o Supremo só abrirá investigações nos casos em que houver suspeitas reais de pagamento de propina. Mas muitos políticos que receberam apoio de empresas investigadas na Lava-Jato estão tensos. Caso não consigam se reeleger no ano que vem, passarão a ser investigados pela primeira instância;, alertou Toninho. Para o secretário-geral do PSDB, deputado Silvio Torres (SP), a decisão do STF não criminalizou o caixa um. ;A interpretação que está sendo dada está errada. Só precisam se preocupar os políticos que já tiveram os nomes citados em irregularidades na Lava-Jato, como é o caso do Raupp, por exemplo;, ressaltou o tucano.
* Estagiárias sob a supervisão de Paulo de Tarso Lyra
Fachin divide inquérito de Renan
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o desmembramento do inquérito contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o envio de parte da investigação que não envolve políticos ao juiz Sérgio Moro. A investigação apura a suposta participação da empreiteira Serveng no esquema de corrupção da Petrobras. A companhia é investigada suspeita de pagar propinas a políticos por meio de doações eleitorais. Em nota, Calheiros afirmou que nunca recebeu doação eleitoral ;direta ou indireta;.