A possibilidade de multiplicação dos Cargos de Natureza Especial (CNEs) na Câmara, aqueles de livre indicação por parlamentares, tem revoltado servidores concursados. A Pública Central do Servidor, o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) e de mais de 200 entidades públicas e privadas de trabalhadores, divulgarão um manifesto, até o fim desta semana, para pedir um basta ao excesso de cargos comissionados.
O assunto veio à tona diante da intenção do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de transformar mais de 100 funções comissionadas (FCs) ; ocupadas por concursados ; em, aproximadamente, o dobro de cargos sem concurso. De acordo com informações de bastidores na Câmara, a ideia vem sendo debatida entre os líderes desde a campanha do deputado à presidência no início do ano. O Correio, em 12 de fevereiro, antecipou a estratégia na coluna Brasília-DF. A mudança, que pode ser feita por um simples ato da Mesa Diretora ou uma resolução, serviria para acomodar aliados e apadrinhados políticos em posições estratégicas.
;Será um manifesto de basta e de repúdio ao nepotismo e ao aparelhamento ideológico do Estado;, contou Nilton Paixão, presidente da Pública. A intenção, disse, é fazer com que essa manifestação sirva de alerta a outros políticos nos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e nas três esferas (estadual, municipal e federal) de que a sociedade condena esse comportamento. ;No momento em que os brasileiros querem que as instituições funcionem mais e clamam pela redução do aparelhamento ideológico partidário do Estado, essa medida da Mesa Diretora da Câmara é imprópria e ofende todos que foram às ruas desde 2013;, acrescentou.
Paixão admite que é preciso aumentar a produtividade do servidor público e que ele precisa ser permanentemente qualificado, mas não vê na ação da Câmara essa intenção. ;É clara a intenção de usar os cargos para fins eleitorais, sem nenhum critério. Uma postura no mínimo impensada e contraditória. Se essas contratações acontecerem, vamos fazer protesto e entrar com uma ação popular;, garantiu. Para Alex Canuto, presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), ;não existe na Câmara sequer espaço para mais 300 chefes;. ;Se temos carência de servidores, a única saída dentro da lei é fazer concurso público. Se o próprio governo que ele (Maia) apoia afirma que vai estancar os concursos por conta do ajuste fiscal, como ele vai expandir gastos com comissionados?;, questionou.
Na tarde da última segunda-feira, o diretor-geral da Câmara, Lucio Henrique Xavier Lopes, representantes do Sindilegis e parte dos funcionários tiveram uma reunião na qual a diretoria explicou que não há planos de substituição das funções. Segundo um servidor presente ao encontro, foi dito que um estudo está sendo elaborado para uma reorganização dos cargos. ;É uma desvalorização total da nossa carreira. Uma clara intenção de se criar um cabide de empregos. Vamos retroceder às velhas práticas de antes de 1988, quando se usava o poder para colocar protegidos, amantes, filhos ilegítimos;, comentou.
Readaptação
De acordo com o primeiro-secretário da Câmara, deputado Fernando Giacobo (PR-PR), não existe a intenção de se criar cargos. Ele explica que houve um pedido do presidente Rodrigo Maia ao Departamento de Recursos Humanos e Pessoal da Casa para que fosse feito um levantamento dos concursados que acumulavam função comissionada e descobriu-se que mais da metade deles estão nesta situação, o que rende a eles um acréscimo entre R$ 3,5 mil e R$ 9,4 mil nos salários. Giacobo afirma que o estudo será apresentado até o fim desta semana e serão corrigidas as irregularidades encontradas.
O parlamentar cita alguns exemplos, como diretorias, em que o servidor é o próprio chefe ou de pessoas ainda em estágio probatório que acumulam função. Além disso, foram identificados de 40 a 50 cargos de confiança em áreas administrativas. ;Tem coisas que não podemos conceber. A intenção é exatamente contrária. A reorganização dos trabalhos vai economizar recursos da Casa. Vamos mudar a estrutura sem criar CNEs. Podemos extinguir FCs? Sim, mas isso será feito com planejamento e organização;, comentou. Segundo Giacobo, a Câmara economizará mais de R$ 500 milhões até o fim do ano.