Relatório de inspeção do Ministério da Justiça no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), baseado em visitas ao local em agosto do ano passado, recomenda ao governo do Amazonas a revisão do modelo de ;gestão prisional; que não coloque a secretaria refém de serviços ;privatizados;. O documento, produzido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que integra o MJ, aponta falhas na gestão da empresa terceirizada Umanizzare. Relata ainda informações do governo de que, na mesma data, foi encontrado o sexto túnel do ano no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), palco da tragédia em que 56 presos acabaram assassinados no dia 1;. Ontem, o diretor interino da penitenciária, José Carvalho da Silva, foi afastado do cargo, alvo de denúncias de corrupção ligada à facção Família do Norte (FDN), responsabilizada pelas mortes de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC).
[SAIBAMAIS]Em dezembro, Silva foi alvo de denúncias de dois detentos que acabaram mortos no massacre. Em uma carta, a dupla acusou Carvalho de receber propina para liberar a entrada de drogas, armas e celulares de integrantes da FDN. Eles relataram ainda ameaças de morte. Os problemas na gestão do presídio já eram conhecidos pelo governo e foram reforçados no relatório de inspeção, disponibilizado pelo Ministério da Justiça nesta terça, após serem votados na semana passada. O documento aponta falhas graves de gestão e serviços precários por parte da empresa terceirizada. E recomenda ao governo a ;adoção de outro modelo de gestão prisional; que não coloque a secretaria refém de serviços ;privatizados;. ;Chama a atenção o fato de o contrato não prever a taxa de encarceramento e o alto custo mensal estimado, apesar de termos constatados in loco a precariedade, em todos os sentidos, do serviço executado;, diz o relatório.
O relatório aponta que foi constatada a precariedade ou ausência de ;oportunidades para estudo e trabalho intramuros; e que os serviços básicos não estavam sendo prestados ;a contento;. Destaca ainda que o contrato da Umanizzare informa a preparação de serviços a 1.072 internos, sendo que a secretaria informou 1.245 homens em fevereiro do ano passado. A meta inicial era o dobro da capacidade: 454 presos. O documento faz uma série de recomendações a diversos órgãos do estado, inclusive ao Tribunal de Contas para avaliar o contrato com a Umanizzare. A informação da presença das facções já era sabida e foi relatada no mesmo relatório do MJ, mas datado de 2015.
Na ata da reunião do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 25 de outubro do ano passado, consta que o secretário de Administração Penitenciária (Seap), Pedro Florencio, admitiu que os contratos ;eram absolutamente lesivos ao estado;, mas ponderou que havia um problema ;político;, visto que a empresa foi contratada pelo governo anterior, sendo que o atual governador era vice na época. O modelo de cogestão vigora desde 2013 e o contrato com a Compaj foi assinado em 2014, em valores milionários. Florêncio assumiu a gestão em outubro de 2015.
O próprio secretário afirma que os valores do contrato são os mais caros das ;cogestões; do Brasil e diz que a secretaria entendia que deveria ser cancelado, mas ;seria necessário ter o aval da Procuradoria-Geral e da CGL (Comissão Geral de Licitação);. O custo do preso de R$ 4,5 mil ; chegando a R$ 4,7 mil em algumas unidades ;que sequer têm advogado no contrato; ; superam a média de investimento nos presídios estaduais. Segundo a ata, o secretário disse que chegou a conversar com o governador José Melo (Pros) para aventar o cancelamento do contrato, mas decidiu-se esperar o fim de 4 dos 7 contratos vigentes.
Em nota, a Umanizzare disse que o documento ;não reflete a realidade dos serviços prestados pela Umanizzare, assim como os resultados positivos reconhecidos pelo próprio governo do Amazonas;. Afirmou que, além de cumprir o previsto em lei, disponibiliza uma série de projetos que visam ressocializar os internos. E informa que, no Amazonas, os reeducandos receberam ;mais de 228 mil atendimentos técnicos pelas equipes da empresa;, mas não cita nomes de projetos. Diz ainda que comparações só podem ser feitas ;conhecendo por dentro a realidade de cada estabelecimento penal;. A Seap não respondeu ao Correio.
Ex-secretário de Segurança de São Paulo e consultor da área, o coronel José Vicente defende que o governo federal invista em políticas de penas alternativas e em programas de parceria público-privadas (PPPs). ;No Amazonas já começou errado porque o contrato previa o dobro de presos acima do número de vagas do estado. Além do que o pessoal que vai trabalhar não é treinado como agente penitenciário;, disse. Segundo ele, a empresa pediu um valor alto e o governo decidiu pagar mesmo sabendo que não seria possível garantir a segurança. Mas Vicente pondera que os contratos de PPPs podem ser benéficos e cita o caso do presídio Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, que segundo ele é um ;exemplo muito bem-sucedido;.
Embate político
O senador Eduardo Braga (PMDB-AM) acusou o governador do Amazonas, José Melo (Pros), de ter feito um acordo com a facção Família do Norte (FDN) para garantir sua eleição. Segundo ele, o grupo teria prometido dar 100 mil votos para Melo em troca de uma espécie de ;liberdade condicionada;, nas palavras dele, nos presídios em Amazonas. Melo rebateu as acusações. ;As acusações são mentirosas e as ilações feitas pelo senador são irresponsáveis e também criminosas. Refletem a postura política de quem aposta na adoção em uma linha de oposição desqualificada contra o governo, baseada na proliferação de boato; afirmou, em nota oficial.