O encontro no início do mês em Mata de São João (BA) tinha como tema o narcotráfico. Por que tratar de foro privilegiado?
A gente escolhe um tema, mas nos debates de plenária surge de tudo. Por que surgiu foro? Por que está sendo discutido. A ANPR posicionou-se sobre isso e houve o apoio dos colegas que estavam lá. A ANPR historicamente sempre defendeu essa posição. São duas coisas que se somam, mas eu gosto de começar pela principiológica. Todos são iguais perante a lei, e isso é um princípio republicano. Em cima disso, o foro privilegiado não se sustenta em caso algum. Existe o segundo ponto, que é muito debatido, a questão da eficácia. Há uma ponderação que faço. Os tribunais realmente, pela sua estrutura, não são vocacionados para fazer investigação. As investigações demoram muito nos tribunais porque as decisões, instruções, oitivas são mais lentas. Mas isso seria passível de solução. Tanto é verdade que o Supremo Tribunal Federal, nos últimos cinco anos, melhorou enormemente, da água para o vinho, com pequenas providências. Criaram o juiz instrutor, um dos auxiliares dos ministros são encarregados de fazer audiências e oitivas de testemunhas, criaram estruturas administrativas em gabinetes para acompanhar as investigações e, por fim, passaram os julgamentos para as turmas, que são mais ágeis que o plenário. O STF passou a julgar com uma velocidade muito maior. Então, essa questão de dizer que o tribunal é igual a impunidade não é verdadeira. Você poderia transformar os tribunais, mas a outra questão ficaria não resolvida: na lei, todos são iguais. Então, por que levar aos tribunais? Por que sobrecarregar os tribunais, particularmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo, que já tem uma quantidade imensa de processos?
O foro deve ser extinto?
Essa é a posição da ANPR. Nós defendemos isso. Acabar com o foro pura e simplesmente. Mas admitimos, como o procurador-geral da República (Rodrigo Janot) sugeriu, não ter uma posição contrária de que um punhado, não mais que 15 autoridades brasileiras, fossem mantidas no STF com a justificativa de estabilidade das instituições. Que autoridades? Os próprios 11 ministros do STF, presidente da Câmara, do Senado, da República e o procurador-geral. São 15. Mais ninguém. Eu preferiria entregar mesmo esses à primeira instância. O presidente da República só é julgado por crime de responsabilidade; os crimes comuns ficam parados enquanto ele está no mandato. De qualquer jeito, essa é uma proposta razoável e aceitável, que tem sustentação no direito comparado. Alguns países escolheram assim (em relação) a altas autoridades por questão de estabilidade. Mas o ideal é o puro e simples fim do foro privilegiado.
Políticos poderiam ser perseguidos por juízes?
A Justiça brasileira é técnica e concursada. O Ministério Público também. Ouve-se muito de políticos: "Não é possível que o juiz de direito lá da minha região vai poder me julgar eu, deputado ou senador". Nenhum problema. Se houver algum excesso, como qualquer cidadão, eles terão acesso a recursos, a habeas corpus. Tenho certeza de que o sistema Judiciário, como funciona com qualquer cidadão, funcionará com eles. Não há razão nenhuma, nem técnica nem política para manter o foro privilegiado.
A ANPR já tinha externado essa posição?
A ANPR, em vários momentos, foi chamada para debater isso. Nos últimos anos, debatemos isso várias vezes em audiências públicas, mas não tínhamos chegado a fazer uma manifestação por escrito. Essa posição é sabida: acreditamos que seria um progresso para o país.
Tribunal é sinônimo de impunidade?
A ANPR não endossa a ideia de que isso é para, necessariamente, acabar com a impunidade porque os tribunais são políticos ou coisa desse tipo. Não é verdade. O STF nos últimos anos mostrou claramente que faz julgamentos duros e técnicos. O problema, do ponto de vista de impunidade que talvez exista, é porque os tribunais não são adequados para conduzir investigações e processos originários. Eles não têm preparo para isso e, por isso, acaba sendo demorado.
E em relação a troca de cargos?
O sujeito é deputado federal. (O processo) está no Supremo. Amanhã, ele se elege prefeito. (O processo) baixa para o tribunal regional federal. De prefeito, ele se elege governador. Vai para o STJ. Esse pingue-pongue não faz bem nenhum ao andamento. Obviamente, cada vez que isso se interrompe, você perde um ano de investigação até que se comece a pegar o jeito de novo. É mais um fator que é muito ruim. Isso é algo que precisa acabar. É o natural trânsito das autoridades %u2014 nenhum problema nisso %u2014 mas, diante do foro privilegiado, acaba virando um fator de impunidade, porque nenhuma instância consegue levar a investigação até o fim.
O senhor acredita que agora, de fato, alguma mudança acontecerá?
Está na pauta. O senador Randolfe (Rodrigues) apresentou o relatório, houve pedido de vista e terá que ser votado no Senado. Ainda que seja para rejeitar (o que eu espero que não aconteça). A Câmara tem uma proposta que não estava sendo impulsionada, mas também está andando agora. É preciso mudança. Olha que diferença brutal! Hoje, temos mais de 24 mil pessoas com foro %u2014 não pode ser menos que isso. Na verdade, deve chegar a quase 30 mil, o que é uma enormidade, uma coisa que não se justifica, absolutamente injustificável.