Menos de 12 horas depois de efetuadas as prisões de policiais do Senado, ao menos um deles já começou a delatar ações em benefício de senadores, a maioria alvo da Operação Lava-Jato. Na sexta-feira (21/10) pela manhã, a Polícia Federal desencadeou a Operação Métis, bateu às portas do Congresso Nacional e prendeu quatro integrantes da Polícia do Senado, incluindo o diretor-geral, Pedro Ricardo de Araújo, ligado ao ex-senador José Sarney (PMDB-AP) e ao presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).
A suspeita é de que servidores do Legislativo faziam varreduras, em busca de aparelhos de escutas, em endereços funcionais ou particulares de Sarney, de Lobão Filho (PMDB-MA), de Glesi Hoffmann (PT-PR) e de Fernando Collor (PTC-AL). O objetivo era descobrir e eliminar escutas eventualmente instaladas; obstruir a Operação Lava-Jato; e ;satisfazer interesses particulares;, de acordo com os investigadores. Ontem, Renan criticou a ação: ;As instituições, assim como o Senado, devem guardar os limites de suas atribuições legais;.
Foram cumpridos nove mandados por ordem do juiz da 10; Vara Federal de Brasília, Vallisney de Oliveira. A PF prendeu temporariamente, por até cinco dias, Pedro Araújo e os policiais legislativos Antônio Tavares dos Santos Neto, Everton Elias Ferreira Taborda e Geraldo César de Deus Oliveira. Também foram feitas ações de busca e apreensão nas residências deles, em Brasília, e em seus locais de trabalho no Senado, de onde foram levados cerca de 10 maletas com equipamentos de contrainteligência, como o Oscor Green. Como os equipamentos têm memória, a perícia poderá verificar onde foram utilizados.
À exceção de Araújo, todos foram liberados ontem mesmo. Geraldo Oliveira fez um depoimento admitindo as condutas apuradas pela Polícia Federal. Para os investigadores, ele agora é um colaborador. Oliveira afirmou que os senadores ;constantemente; fazem pedidos de varreduras, até em residências particulares. As solicitações chegam a Pedro Araújo, que repassa as tarefas a seus subordinados.
Ele disse que ;estranhou; o fato de, logo após o senador Fernando Collor sofrer busca e apreensão da Operação Lava-Jato em julho do ano passado, ter sido feita uma varredura nos endereços do parlamentar. Ao explicar o motivo da varredura, um assessor de Collor ; identificado como Santana ; disse a Oliveira que ele estava inseguro depois da batida dos federais. ;Santana relatou que Collor estava inseguro de retornar para casa pois seus ambientes tinham sido devassados pela Polícia Federal;, disse no depoimento. ;De fato, isso causou estranheza e receio por parte do interrogado, porém acreditava até então que estava cumprindo uma ordem legal.; Para investigadores ouvidos pelo Correio, esse é um caso claro de obstrução à Justiça.
O servidor contou à polícia que cumpriu as ordens de Araújo mesmo assim. ;Com o passar do tempo, como dito, passei a estranhar mais ainda as ordens do diretor da Polícia do Senado;, continuou Oliveira, em seu depoimento.
Passagens
Os agentes chegaram a fazer varreduras não só fora do Senado, como além Brasília, como São Luís e Curitiba. Oliveira disse que Araújo o mandou ao Maranhão, onde ele e a equipe foram recebidos no aeroporto e levados a uma ;casa suntuosa;, que tinha até helicóptero. A residência pertencia ao genro do senador Edison Lobão, Marcos Regada, que recebeu a equipe de servidores. Esse fato não foi informado a ninguém.Toda varredura é precedida de entrevista para saber o motivo da ação. ;Para sua surpresa, o genro do senador acabou revelando que o motivo na verdade não estava relacionado com o exercício do mandato de senador, e sim relacionado com a campanha política de Edison Lobão Filho para o governo do estado;, narrou Oliveira à PF, ontem.
Fazer varreduras não é ilegal. Mas, no pedido de prisão, que aponta 25 evidências de crimes, como de corrupção passiva privilegiada, a polícia e o Ministério Público dizem que o objetivo era causar embaraço às apurações às quais os senadores respondem. ;A deliberada utilização de um equipamento sofisticado, de propriedade do Senado Federal, utilizando recursos públicos, passagens aéreas custeadas pelo Erário e servidores concursados, em escritórios ou residências particulares, não possui outro objetivo senão o de embaraçar a investigação de infração penal que envolve organização criminosa;, afirmou o procurador Frederico Paiva.
Varredura sem mandato
O policial do Senado Geraldo César de Deus Oliveira, preso nessa sexta-feira (21/10) na Operação Métis e solto horas depois, contou à Polícia Federal que José Sarney (PMDB-AP) foi beneficiado com uma varredura, mesmo sem mandato parlamentar. De acordo com o agente, o diretor da segurança do Senado, Pedro Ricardo Araújo, lhe disse que o pedido viera do próprio ex-senador. ;Recebi a resposta de que deveria ir, simplesmente por ser uma ordem, já que o pedido havia sido feito por um ex-presidente, e que, por acaso um dia isso fosse questionado, poderia ser dito que tal medida fora realizada como precursora para uma visita do presidente do Senado, o que legitimaria a ação de contramedida;, contou Oliveira, em depoimento ontem. Ele disse que só faria o serviço se recebesse uma ordem por escrito, o que acabou sendo feito.
Este ano, os policiais fizeram uma busca por escutas na casa de Gleisi Hoffmann (PT-PR). Oliveira disse que ;ela mesma pediu a varredura; depois da ação da PF em sua residência, quando procuraram provas contra o marido, Paulo Bernardo. ;Relataram ao interrogando que a senadora se sentia insegura de voltar para casa, pois ela não estava lá no dia da busca e não sabia quem tinha entrado na casa ;se era polícia ou outra pessoa; (sic).; Por temer estar ;protegendo parlamentar;, Oliveira afirmou que ;desconfiava muito do real interesse nas ordens recebidas; e avisou o chefe, que acionou o procurador Eduardo Pelela, da Procuradoria-Geral da República.
Em nota, Renan afirmou que a Polícia Legislativa age dentro da lei e que a Casa colabora com as apurações. ;Atividades como varredura de escutas ambientais restringem-se à detecção de grampos ilegais, sendo impossível, por falta de previsão legal e impossibilidades técnicas, diagnosticar quaisquer outros tipos de monitoramentos que, como se sabe, são feitos nas operadoras telefônicas.; Fernando Collor disse, em nota, que ignora os fatos e nega que tenha se beneficiado de ação dos agentes do Senado ;estranha às funções institucionais;.
Gleisi confirmou o pedido de varredura de forma oficial, mas afirmou que isso faz parte do trabalho dos agentes do Senado. ;Em Curitiba, a busca e apreensão da Polícia Federal foi feita sem nossa presença ou de alguém da família. Não sei o que tinha acontecido. Por isso, pedi para fazer a varredura lá também;, disse. ;Fazer isso não configura obstrução alguma. Apenas queria ter informação de segurança sobre minha residência.; Nenhuma escuta foi encontrada, segundo ela. Se fosse, haveria comunicação ao Ministério Público.
A reportagem não localizou as defesas de Araújo e dos demais policiais legislativos, de Sarney e do suplente de senador Lobão Filho (PMDB-MA).