Senhor Diretas, senhor Constituinte, senhor Parlamentarismo, doutor Ulysses. Assim, sempre com uma palavra de respeito à frente, o deputado Ulysses Guimarães era tratado por colegas de parlamento, por amigos e pelo público em geral. Presidente da Câmara por três vezes e da Assembleia Nacional Constituinte, o político, que faria 100 anos no próximo 6 de outubro, deixou legados importantes para a política brasileira, especialmente sobre a importância de se manter a ternura nos debates.
Em 45 anos de vida pública, Ulysses Silveira Guimarães conquistou um respeito apartidário. Oposição ou situação, não havia no Congresso quem não parasse para ouvir sua voz. ;Ele tinha uma capacidade impressionante de assumir o comando de tudo que participava. Teve papel fundamental nas principais decisões políticas do país. Ele dava grandeza aos movimentos;, comenta Mozart Vianna, ex-secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara, que tem até hoje na cabeça a voz de Ulysses falando ;Vamos votar, vamos votar;.
À época professor do Centro de Formação da Câmara (Cefor), Vianna participou dos trabalhos da Constituinte com Ulysses e, para ele, um dos momentos mais marcantes foi logo no início, quando uma comissão de notáveis entregou a ele um anteprojeto feito a pedido do então presidente José Sarney. ;O doutor Ulysses recebeu, olhou e disse ;Muito bom, a gente agradece, mas vamos começar do zero;. E começou mesmo. Foi a primeira vez que a opinião do povo foi ouvida;, relembra.
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Não era só na política que Ulysses tomava o papel de protagonista de suas bandeiras. Ainda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o jovem de Rio Claro, interior de São Paulo, assumiu a vice-presidência da União Nacional de Estudantes (UNE). Ali, começou a ligação com a política. Em 1947, foi eleito deputado estadual por São Paulo, depois, eleito deputado federal por onze mandatos seguidos, de 1951 a 1995 (que não concluiu). Até do time do coração, o Santos, Ulysses chegou a ser vice-presidente, em 1944.
Ao lado de Ulysses desde o início do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ; que se transformou em PMDB ;, em 1965, o ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-senador Pedro Simon destaca que o deputado foi um homem ímpar na história do Brasil. ;Ele foi o grande nome da redemocratização. Demonstrou capacidade e coragem incríveis de unir e liderar esse grupo enorme de resistência à ditadura. Foi um movimento espetacular. Derrubamos os militares sem disparar uma bala;, recorda Simon.
A deputada constituinte petista Benedita da Silva (PT-RJ) comenta que Ulysses era um homem muito além da sigla partidária, que exercia um papel que se sobrepunha a qualquer tipo de divergência. Para Benedita, atualmente, não há na política um líder como o peemedebista. ;Ele faz muita falta até hoje, principalmente para o partido dele. Um homem de muita postura, muita ética. Uma das frases mais ditas no plenário neste ano, por deputados de todos os partidos, foi ;Que saudades de Ulysses Guimarães;.;
O cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Davi Fleischer concorda que, hoje em dia, não existe um político que se compare a Ulysses. ;Ele era o equilíbrio, fazia a função de pacificar, principalmente na Constituinte;, diz. Além disso, o professor destaca a integridade do deputado, que não tinha denúncias de corrupção ou de enriquecimento ilícito. ;Hoje em dia, as lideranças estão todas sujas. O PMDB, por exemplo, já perdeu muito a cara do doutor Ulysses.;
Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, neste centenário é preciso defender as conquistas relevantes da democracia que foram consagradas a partir da Constituinte. ;A Constituição de 1988 foi uma grande conquista da sociedade brasileira e da democracia. A forma como Ulysses Guimarães presidiu os trabalhos foi determinante para que o texto estivesse de acordo com a necessidade de estabelecimento e garantia dos direitos dos cidadãos;, comenta. Presidente do PSDB, o senador Aécio Neves afirma que a trajetória de Ulysses serve como inspiração. ;Ulysses Guimarães sempre será um símbolo de luta pela democracia e justiça social. Fez parte de uma geração de grandes homens públicos que fizeram história e marcou sua trajetória pela ética e lealdade ao Brasil.;
Morte
Pessoas próximas a Ulysses Guimarães sabiam de duas das suas paixões: as crianças e o mar. Como se fosse uma morte escolhida, o helicóptero que transportava o deputado, a mulher, Mora, o ex-senador Severo Gomes e a esposa, Henriqueta, de Angra dos Reis (RJ) a São Paulo caiu no mar em 12 de outubro de 1992, Dia das Crianças. Os corpos de todos os ocupantes da aeronave foram encontrados, menos o de Ulysses, que parece ter tido mais um pedido atendido: ;Quando eu morrer, se me botarem num caixão, pode dizer que ali vai um homem contrariado;.
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