A procuradora da República e presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos, Eugênia Gonzaga, defendeu nesta sexta-feira (25/9) que o Supremo Tribunal Federal (STF) faça a revisão da Lei de Anistia, para que agentes do Estado sejam responsabilizados pelos crimes e violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar. ;Nenhuma das ações de responsabilização foi para frente por causa da interpretação que ainda existe no país sobre a validade da lei para agentes da ditadura, isso a despeito da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil vem insistindo em descumprir essa decisão da corte;, disse ela.
Em 2010, o STF julgou que a Lei de Anistia era aplicada a agentes públicos. No mesmo ano, explicou Eugênia, a corte internacional decidiu que a lei era válida, mas não para as graves violações de direitos humanos ocorridas no Brasil durante a ditadura militar. Ela afirmou que a questão está em andamento e que já existem pedidos pendentes no Supremo para uma nova análise.
Para o professor Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia e secretário-executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH), do Mercosul, é necessário fazer um ajuste nessas duas perspectivas. ;A nossa expectativa é que, após o relatório da Comissão da Verdade e a sentença da Corte Interamericana, essa decisão possa vir no sentido de afirmar a ideia que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e não devem estar sujeitos à anistia;, disse.
Eles participaram hoje, junto com representantes de mais de 50 organizações da Argentina, Venezuela, do Brasil, Paraguai e Uruguai, da 2; Consulta Pública do Fórum de Participação Social do instituto. O evento começou com um seminário sobre os 40 anos da Operação Condor, que foi uma aliança de colaboração entre os regimes ditatoriais da América do Sul nas décadas de 1970 e 1980.
Segundo Eugênia Gonzaga, países que passam regimes autoritários têm resquícios que precisam ser combatidos, daí a importância desse resgate histórico. ;Esses resquícios são, no caso Brasil, por exemplo, a ausência total de meio de defesa [na mídia], a tortura ainda presente nas polícias e o desaparecimento de pessoas, assim como ocorria no período da ditadura;, destacou. ;Então precisamos resgatar esse ocorrido para evitar que ele se perpetue, porque ainda é o que acontece em países como o Brasil, que não fizeram a devida responsabilização dos agentes de Estado do período e o devido resgate dessa história;, acrescentou.
A integração entre os países do Cone Sul nesse fórum é, para o professor Paulo Abrão, uma forma de fortalecer as instituições de direitos humanos para que os legados autoritários, que ainda permanecem sejam superados. ;As democracias não são um fim em si mesmo, elas dependem de um constante cuidado. É sempre necessário lembrar o que significa regimes de exceção, o que significa ditadura, o que isso implica em termos de prejuízo e atraso nas nossas sociedades para que a não repetição desses erros;, disse o presidente da Comissão de Anistia.
Ele explica ainda que, desse encontro, sairão sugestões aos governo para implementação de políticas de memória, de verdade e justiça, como processos de preservação de arquivos, identificação de centros e locais de tortura para que eles sejam transformados em museus de consciência e ampliação de políticas de reparação psicológica e apoio às vítimas.
O acompanhamento de ações judiciais em tramitação como os juízos da Operação Condor na Argentina e em Roma também é importante, de acordo com Paulo Abrão. Segundo ele, a sentença da Operação Condor deverá ser declarada até final desse ano. ;Isso certamente abrirá novas perspectivas e conhecimentos para a sociedade, de novas provas e documentos que permitirão novos ciclos de identificação de responsabilidade, de consequência e de vítimas;, disse.
O encontro de hoje foi uma parceria da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça com o IPPDH, a Unidade de Apoio a Participação Social do Mercosul, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e o Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento.