Desde que seu nome apareceu na Operação Lava-Jato pela primeira vez, em setembro do ano passado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se viu em uma série de suspeitas assim como outros políticos. Onze meses depois, os primeiros vazamentos da colaboração premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa foram robustecidos com outras provas e viraram, na quinta-feira, uma denúncia criminal no Supremo Tribunal Federal (STF) por lavagem de dinheiro e corrupção no esquema de desvios da Petrobras.
Às afirmações de Costa, somaram-se as do doleiro Alberto Youssef e do lobista Júlio Camargo e uma série de documentos, como registros governamentais, ligações telefônicas, extratos bancários e depoimentos diversos. Pesou ainda a condenação de parte dos outros acusados no esquema, pelo juiz da 13; Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro. Vários documentos corroboraram os depoimentos de Camargo, que afirma ter pago pelo menos US$ 5 milhões de propina ao deputado.
Ao longo desse período, Cunha evitou dar declarações públicas. No entanto, em março, atacou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dizendo que seu pedido de abertura de inquérito era uma ;piada;. Depois, com a revelação de que ele produziu requerimentos apresentados pela ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ) para convocar uma empresa ligada a Camargo, Cunha recuou. Passou a não tratar mais diretamente as acusações e suspeitas. O objetivo é não prejudicar sua defesa perante o STF. Algumas dúvidas persistem na mente da população. A reportagem questionou a assessoria do presidente da Câmara sobre uma série de questões ontem, mas ficou sem resposta novamente.
Defesa de CunhaO deputado já disse que não pode comentar objetivamente as denúncias por orientação de seu advogado, o ex-procurador geral da República Antônio Fernando de Souza. Mas nega as acusações de ter cometido crimes. ;Estou absolutamente sereno e refuto com veemência todas as ilações constantes da peça do procurador-geral da República;, disse em nota na quinta-feira. Cunha ainda afirma que é perseguido por Rodrigo Janot, que fechou um acordo com o Palácio do Planalto para proteger políticos do PT investigados.
O que foi confirmado
Trechos da delação de Camargo que foram comprovados pela PF e pelo MPF
Evento: Encontro de Júlio Camargo com o então diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa
Assunto: lobista pediu que Costa intermediasse reunião com Edison Lobão
Local: sede da Petrobras, Rio de Janeiro, 31 de julho de 2011
Como foi comprovado: registros da portaria da estatal mostram o ingresso do lobista e seu motorista
Evento: Encontro de Júlio Camargo com o então ministro Edison Lobão.
Assunto: Camargo reclamou das pressões que sofria no Congresso por parte de Cunha
Local: Base Aérea do Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2011,
entre 18h e 19h
Como foi comprovado: agenda de Lobão e documentos da Força Aérea Brasileira indicam que ele estava no local. A Aeronáutica tinha registros do ingresso do lobista na base aérea
Evento: Encontro de Júlio Camargo com Fernando Baiano e Eduardo Cunha
Assunto: Cunha cobrou sua parte de US$ 5 milhões na propina a ser paga por Camargo, segundo relato do lobista
Local: Edifício Leblon Empresarial, Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2011, entre 19h e 21h
Como foi comprovado: Eduardo Cunha estava no Rio naquele domingo, conforme registros de sua cota de passagens aéreas da Câmara. Bilhetes aéreos confirmam que Camargo voou de São Paulo para o Rio. Registros do estacionamento do prédio ao lado mostram a chegada do carro de Fernando Baiano, que estava com Cunha, segundo depoimento de Camargo. Baiano ligou para o dono da sala 305, usada para fazer a reunião, pouco antes de ingressar no local. O dono da sala disse em depoimento que Baiano tinha uma chave e usava o local para reuniões nos fins de semana. Os registros da torre de celular próxima à rua do prédio captaram ligações de Baiano feitas daquela região no horário indicado por Camargo
Em aberto: Fontes ouvidas pelo jornal indicam que não há prova definitiva de que Cunha estava no encontro, embora uma delação de Baiano tenha potencial para confirmar a acusação
Transferências de dinheiro
Documentos bancários mostram que Camargo realmente fez pagamentos nas contas indicadas por ele. Juristas questionam o fato de que os
pagamentos para Cunha não foram mostrados com documentos, mas apenas com testemunhos
Sem explicação
Deputado não quis prestar depoimento. Dúvidas na cabeça de delegados, procuradores, jornalistas e da própria sociedade sobre o caso continuam:
Contas no exterior
O deputado administra dinheiro próprio ou de terceiros em contas no exterior? Quais?
Repatriação
O fato de o deputado ser contra a análise imediata do projeto de repatriação de dinheiro escondido no exterior tem alguma relação com a Operação Lava-Jato?
Pressões
O ministro Edison Lobão telefonou para o deputado reclamando das pressões sobre o lobista Júlio Camargo? O senhor abriria seu sigilo telefônico para comprovar que Lobão nunca lhe telefonou em agosto de 2011 reclamando dessas supostas pressões?
PMDB
Paulo Roberto Costa disse ter apoio político do PMDB e houve até reuniões com o deputado Aníbal Gomes, por exemplo. O deputado tinha conhecimento de como era o relacionamento do partido com diretores da Petrobras?
Reuniões
Qual a relação e eventuais contatos, pessoais, por telefone ou mensagens eletrônicas, com os lobistas Júlio Camargo e Fernando ;Baiano;? E com o ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró?
Raios-X da acusação
Resumo: O lobista do estaleiro Samsung Júlio Camargo negociou dois navios para a Petrobras por US$ 1,2 bilhão e, para isso, pagou propina a Eduardo Cunha, ao ex-diretor da petroleira Nestor Cerveró e ao lobista Fernando ;Baiano;
Denunciados no STF: Eduardo Cunha e a ex-deputada Solange Almeida, ambos do PMDB-RJ
Crimes: Corrupção e lavagem de dinheiro, praticados em 62 ocasiões
Pedido de indenização: R$ 277 milhões, sendo R$ 138 milhões como perda de bens da corrupção total apurada e mais R$ 138 milhões por reparação de danos materiais e morais à Petrobras
Tamanho: 85 páginas e mais anexos
Delações premiadas que reforçam acusação: três.
Os próximos passos
; Os acusados foram notificados na sexta-feira. Eles têm 15 dias para apresentar defesa
; O plenário do STF decide se recebe (inteira ou em parte) ou se rejeita a denúncia
; Se for recebida, os denunciados viram réus
; Testemunhas da acusação e da defesa são ouvidas. Documentos são anexados ao processo pela acusação e pela defesa
; Acusação e defesa apresentam seus argumentos finais no caso
; O ministro Teori Zavascki faz um relatório do caso e um voto pela condenação ou absolvição dos réus
; O relatório e voto são trazidos para o plenário do STF
; Após Teori votar, os demais 10 ministros votam. São necessários seis votos para conseguir condenar alguém. Um eventual empate, em caso de ausência de ministro, favorece o réu