O Tribunal de Contas da União (TCU) detectou em auditoria sigilosa sobrepreço de R$ 406 milhões na construção da Base Naval e do Estaleiro da Marinha, em Itaguaí (RJ). Tocado pela Odebrecht, investigada na Operação Lava Jato, o empreendimento integra o programa que prevê a operação, até 2025, de quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear que será o primeiro a operar no Brasil. O valor a ser pago pelas obras civis já aumentou 60% desde 2008. Por ora, a empreiteira recebeu R$ 6,1 bilhões.
O projeto tem como um dos mentores e espécie de supervisor o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, considerado o "pai" do Programa Nuclear Brasileiro. Presidente da Eletronuclear até o fim do mês passado, ele pediu demissão após ser preso pela Polícia Federal, acusado de receber propina de construtoras, entre elas a Odebrecht, nas obras da Usina de Angra 3.
Os indícios de que o valor da construção da Base Naval e do Estaleiro está inflado são os primeiros a surgir. A "gordura" no orçamento foi detectada após análise do TCU sobre as planilhas entregues pela Marinha.
Diante da constatação, e tendo em vista a participação da Odebrecht no projeto, o tribunal decidiu fazer, em caráter de urgência, uma fiscalização conjunta com a PF, o Ministério Público Federal e a Receita Federal para apurar eventuais ilegalidades no programa. Os órgãos, envolvidos na Lava Jato, já apuram suspeitas de irregularidades no empreendimento.
O valor original das obras da base naval e do estaleiro era de R$ 4,9 bilhões. Além do sobrepreço no orçamento, os auditores analisam alterações de projeto que forçaram a celebração de aditivos contratuais, elevando o preço a ser pago para R$ 7,8 bilhões. A planta e os detalhes atualmente em execução foram aprovados em 2012 pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que atua como órgão regulador e avalia aspectos de segurança.
O programa dos submarinos ganhou corpo em 2008, graças a um acordo assinado entre Brasil e França. A negociação foi feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o então mandatário francês, Nicolas Sarcozy.
Além do estaleiro e da base, o plano prevê a transferência de tecnologia ao País para a construção dos cinco submarinos, entre os quais o de propulsão nuclear, maior ambição dos militares brasileiros - atualmente, só seis nações operam com esse tipo de veículo militar.
Após as negociações com Lula, a empresa francesa DCNS, responsável pela transferência da tecnologia, formou consórcio com a Odebrecht para projetar e desenvolver os submarinos. A empreiteira também foi contratada para a construção do estaleiro e da base naval. Não houve licitação para a escolha da parceira brasileira.
A Marinha alega que não cabe a abertura de concorrência nesses casos, por causa do sigilo que, "necessariamente", reveste projetos como o dos submarinos. "Trata-se de plantas de instalações nucleares militares, envolvendo características que não podem ser objeto de divulgação pública", justifica.
A Marinha sustenta que não houve participação do governo brasileiro na escolha da empreiteira. "Como as obras civis de construção do estaleiro e da base seriam realizadas no Brasil, somente uma empresa nacional poderia fazê-lo. Daí resultou a necessidade de a DCNS se associar a uma empresa brasileira de grande porte que pudesse fazê-lo. A seleção da Odebrecht como parceira na empreitada foi de livre escolha da DCNS, que, para tanto, empregou critérios próprios", assegura.
A Marinha alega que, "evidentemente", pesou na suposta decisão dos franceses o fato de a Odebrecht, nos anos 1980, "ter construído a Base Naval de Mocanguê e ter participado, ainda, da construção das usinas nucleares de Angra dos Reis, além de ser reconhecida internacionalmente como capaz de executar obras civis e atividades industriais complexas".
Tanto a construtora quanto a Marinha apresentaram justificativas para os preços, o que está sendo analisado pelo TCU.