Vários dos primos de ;quarto grau; ocupam cargos nos escritórios dos senadores nos estados. A maioria desses funcionários é desconhecida pelo servidores que atuam nos gabinetes em Brasília. Ao responder questionamentos nas salas do Congresso, eles dizem desconhecer o nome do parente e alguns chegam a afirmar que eles não trabalham para os parlamentares. Minutos depois, ;identificam; que o contratado ;atua no estado; e retornam justificando o desconhecimento. A cena se repetiu pelo menos cinco vezes no Senado. Ontem, o Correio mostrou uma dezena de casos de parentes de deputados que trabalham na Câmara. Juntos, eles faturam por mês R$ 55 mil líquidos em salários.
Em um dos casos, no gabinete do senador Telmário Mota (PDT-RR), a funcionária rebateu a informação de que Telmar Mota seria o motorista dele, como consta no Portal do Senado. Depois, confirmaram se tratar do motorista que o senador mantém no estado, para atendê-lo quando não está em Brasília. O chefe de gabinete, Ayres Neves, explicou que Telmar é filho de um sobrinho do senador, ;o que não alcança a súmula do nepotismo;, segundo ele.
Para conduzir o senador em Roraima, Telmar recebe um salário de R$ 3,7 mil, além de R$ 835 de auxílios, desde a contratação, que ocorreu em 4 de fevereiro deste ano. No estado, não há como fiscalizar como e se o filho do sobrinho presta os serviços ao parlamentar. O responsável por conferir se tudo está correto é o próprio senador, que passa a semana em Brasília e volta a Roraima, geralmente, nos fins de semana.
No gabinete do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), a comissionada Roseanne Flexa Medeiros justifica ser prima do senador, que também não se encaixa nas restrições da legislação que trata do nepotismo. ;A servidora não se enquadra nas restrições impostas pela súmula publicada no Diário Oficial da União de 29 de agosto de 2008;, diz nota oficial do gabinete. Ela trabalha em Brasília desde 2009 e tem salário de R$ 9,4 mil. ;A servidora tem vínculo colateral de quarto grau com o senador;, justificou a nota.
O chefe de gabinete de Davi Alcolumbre (DEM-AP), Paulo Boudens, deu uma dica para entender o que exatamente os parlamentares e seus assessores entendem como ;primo de quarto grau;. ;A súmula do STF proíbe a contratação dos parentes próximos. Então, é o caso de pais e filhos, que são de 1; grau, dos irmãos, que são em 2; grau, e dos sobrinhos, em 3; grau. O primo é considerado de 4; grau.; A explicação está correta, do ponto de vista da lei brasileira. ;A súmula fala em parentes até o 3; grau, em linha direta e colateral, o que exclui os primos. Então, a partir daí, já não se trata mais de nepotismo, do ponto de vista jurídico;, diz o juiz de direito Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
O próprio Davi emprega, em seu escritório de Macapá, a mulher de um primo, Vânia Alcolumbre. Segundo Boudens, ela cuida dos contatos políticos do primo no estado. ;A gente, aqui em Brasília, não conhece todas as pessoas que são das relações do senador no estado;, disse. Vânia já trabalhava com Davi Alcolumbre desde os tempos da Câmara, onde ele exerceu três mandatos. Outro primo em uma posição de destaque é o do líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima. Funcionário do quadro do Senado desde 1982, Flávio Romero Moura da Cunha Lima recebe cerca de R$ 4,7 mil adicionais para atuar como chefe de gabinete de Cássio.
;Na verdade, há um ranço muito grande de patrimonialismo em toda a administração brasileira;, diz o professor da UnB e especialista em administração pública José Matias-Pereira. ;E o patrimonialismo consiste exatamente nisso, numa confusão entre o que é público e o que é privado. É uma herança que começou a ser desfeita nos anos de Getúlio Vargas, e mais recentemente, com a reforma gerencial (1995);, disse. ;Mas, ao que parece, esse modelo patrimonialista vem sendo retomado nos últimos anos, com o aparelhamento do Estado. Há uma sensação de que tudo é permitido, de que o dinheiro público está aí para ser usufruído como bem entender;, avalia o professor. ;Essa postura, de confundir público e privado, chega ao ápice em casos como o do petrolão;, avalia ele.
O que diz a lei
Em agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula Vinculante n; 13, sobre o nepotismo. A rigor, o STF não criou uma regra, apenas consolidou o entendimento de que a contratação de parentes em cargos comissionados viola a Constituição de 1989. Diz a súmula: ;A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3; grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada (...) viola a Constituição;. A Carta Magna, em seu artigo de n; 37, estabelece que a administração pública é regida, entre outros, pelos princípios da moralidade e da impessoalidade, incompatíveis com a contratação de familiares. Apesar de proibir o chamado nepotismo cruzado, a súmula do STF não considera nepotismo, por exemplo, a contratação de primos. Também não veda que uma autoridade do nível federal indique parentes e cargos comissionados em um governo estadual, por exemplo.