Os números de Águas Claras ajudam a traçar um panorama da cidade como um centro de oposição ao atual governo. Nas eleições de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi o candidato mais votado à Presidência tanto no primeiro quanto no segundo turno. Na primeira apuração, teve 44.733 votos na região ; ou 41% dos votos válidos. Dilma conseguiu menos que a metade, com 20.996 votos, e foi superada, inclusive, por Marina Silva (PSB), que contou com a preferência de 37.170 eleitores. Na disputa final contra o tucano, novamente Dilma foi superada por diferença superior ao dobro dos votos ; Aécio teve 72.541 votos, contra 32.908 votos da atual presidente.
[SAIBAMAIS]De acordo com quem mora na região, muito dessa rejeição se deve ao alto grau de instrução dos moradores locais, que conseguem perceber as dificuldades econômicas pelas quais passa o país e não toleram os escândalos de corrupção registrados desde 2002, quando o PT assumiu o Planalto.. ;Aqui temos uma população com senso crítico muito elevado, que tem acesso a cultura e boa educação. As pessoas têm muito conhecimento econômico, e o estudo faz com que sejam intolerantes, mesmo aos menores abusos de poder por parte dos governantes. É uma cidade muito engajada politicamente;, avalia a corretora de imóveis Simone Nunes, 46 anos, que participou do panelaço de domingo.
De fato, o nível de instrução que concentra a maior parte da população é o curso superior completo, grau de formação de 37,9% dos locais, ou cerca de 46 mil entre os 121 mil moradores, de acordo com a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) 2013/2014. A renda média de cada domicílio, contando-se apenas a chamada Águas Claras Vertical ; área onde se concentram a maioria dos prédios residenciais e centro dos protestos do último domingo ; é de R$ 12 mil, quase 12 vezes maior do que a dos domicílios brasileiros e seis vezes dos lares no Distrito Federal. Apenas 502 domicílios ;1,28% do total; se beneficiam de programas sociais como o Bolsa Família. ;A presidente, como chefe de Estado, acaba sendo mais atingida pela indignação popular;, completou Simone.
Mas, mesmo para aqueles que já sabiam, por meio de redes sociais, que ocorreriam protestos durante o discurso da presidente, a intensidade das manifestações foi impressionante. ;Já havia sido avisado por um grupo no Facebook que haveria panelaço durante o pronunciamento. No entanto, nos seis anos que moro aqui, nunca tinha visto nada tão intenso, com a participação de vários pontos da cidade, nem mesmo durante as manifestações de junho de 2013;, disse o enfermeiro Virgílio Landim, 37 anos, que participou com a esposa entre aqueles que bateram panelas dentro do apartamento. Outros, como Simone, foram pegos desavisados com o início do barulho e do acender e apagar de luzes, mas acabaram se juntando à maré de manifestantes.
Povo fala
Você participou do panelaço? Por quê?
Fúlvio Godim, 30 anos, médico
;Participei com minha noiva e minha sogra. O PT só se enrola em denúncias e a presidente não explica a situação na qual está completamente envolvida nem apresenta projetos que possam levar a uma solução;
João Mender, 34 anos, geólogo
;Não. No momento, é mais apropriado apoio do que manifestações, impeachment ou volta dos militares. Uma camada que não está satisfeita com o resultado tenta fazer uma campanha degradante para mudar os resultados das eleições;
Cora Contagem, 71 anos, aposentada
;Votei na Dilma, mas me arrependi por conta desse escândalo. O PT, como partido mandatário, é o principal responsável por essa corrupção. É um mau exemplo para netos, filhos, para o Brasil inteiro;
Klécius Celestino, 44 anos, engenheiro
;Tenho empatia, mas não quis deixar o conforto com a minha família. O momento é parecido como que aconteceu com o Collor, quando o presidente pediu apoio (da população), mas acabou fora do governo;
John Biak, 60 anos, profissional de marketing
;Sou de Nova York, mas moro no Brasil há 14 anos e estou na cidade desde o ano passado. Participei dos protestos porque as coisas vêm mal desde o governo Lula, com escândalos como o mensalão e agora a Lava-Jato, que acabou com o valor da Petrobras;
Glaucimara Gomes, 47 anos, fonoaudióloga
;Não participei porque não sabia. Estava em uma reunião na igreja. Sou a favor dos protestos. O Brasil tá sem dinheiro, que foi
parar no bolso de alguém e não melhorou a vida da população;