O temor de Marcelo Rubens Paiva é de que, pela função de destaque que Ronaldo Martins Belham ocupa na Abin, ocorra algum tipo de filtragem institucional ou até obstaculação de informações essenciais que podem ajudar a desvendar a verdade histórica em relação à morte do pai. O corpo nunca apareceu. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) já publicou documento em que atesta que o general Belham recebeu, quando chefiava o Doi-Codi do Rio de Janeiro, dois cadernos de anotações que pertenciam a Rubens Paiva. O nome de Belham aparece escrito de caneta na folha amarelada como o responsável por receber o material. O subcomandante era o major Francisco Demiurgo Santos Cardoso. O documento que desmontou a versão do Exército foi encontrado, no fim do ano passado, pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul na casa do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas, já falecido.
A CNV tenta localizar o general da reserva Belham para que ele possa ser ouvido e explicar as circunstâncias da madrugada de 20 de janeiro de 1971. ;Imagine um dos filhos do Joseph Goebbels (ministro da propaganda de Adolf Hitler) com a chave de todos os arquivos de Nuremberg nas mãos. Sei que o general Belham ficou com os cadernos de anotações do meu pai. Há documentos que comprovam isso. Precisa ser investigado. Causa-me desconforto e estranheza saber que ele (Ronaldo) é filho do general Belham, mesmo que seja isento. Como, numa posição de destaque da Abin, ele vai facilitar a revelação de informações secretas que comprometam o pai?;, questiona Marcelo Rubens Paiva.
Muitos dos integrantes da Agência Brasileira de Inteligência, criada em 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, são militares remanescentes do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI). Ronaldo Martins Belham ingressou no SNI na década de 1980, antes da criação da Abin e do primeiro concurso do órgão, em 1999. Ronaldo Belham chegou ao posto de número 2 da agência em setembro de 2009, durante o governo Lula. Antes, era chefe da Divisão de Pessoal da Abin. Ele chegou a ser cogitado para comandar a agência pela proximidade que o pai tinha com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional na época, Jorge Félix.
A Abin guardava, apenas em relação ao período compreendido entre 1964 e 1990, mais de 132 metros lineares de documentos sobre o regime militar, que englobam mais de 1 milhão de páginas. Ainda existem mais 220 mil unidades de microfichas encaminhadas pela Abin para digitalização no Rio de Janeiro. Todos os documentos foram encaminhados ao Arquivo Nacional, em Brasília.
;O sadismo reinava no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Lá, tinha uma famosa geladeira e até uma cobra. Era um horror. Como o filho dele (general Belham) está na ponta da Abin? E não estou falando apenas como o filho de Rubens Paiva. Estou falando como um cidadão brasileiro. Não queremos revanchismo, mas é preciso que as pessoas venham a público. São crimes contra a humanidade que foram praticados;, ressalta Marcelo Rubens Paiva.
O Correio tentou entrar em contato com o general da reserva Belham, mas não conseguiu. Uma mulher, que não se identificou, atendeu o telefone celular e informou que o militar aposentado estaria viajando. Uma ex-cunhada, que mora no Rio de Janeiro, atestou que José Antonio Nogueira Belham está vivo, com 79 anos, e mora num apartamento em Brasília. Ela disse não ter mais contato com ele. O Correio também tentou, em várias ocasiões, ouvir Ronaldo Martins Belham por meio da assessoria de imprensa da Abin, mas não foi possível. Ele foi informado do conteúdo da reportagem.
Exoneração
Até novembro de 2010, o militar ocupava o cargo de vice-presidente da Fundação Habitacional do Exército, responsável pelo controle da Associação de Poupança e Empréstimo ; a Poupex. Ele foi exonerado pelo comandante do Exército, general Enzo Peri, por supostamente ter destratado viúvas de oficiais mortos no terremoto no Haiti, no início de 2010.
O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, que integra a Comissão Nacional da Verdade e acompanha de perto o caso Rubens Paiva, informou, por meio da assessoria de imprensa, que não falaria sobre o fato de o filho do general Belham ser o diretor adjunto da Abin. Ele alegou que vários documentos ainda estão sendo investigados.
Na época em que a Polícia Civil gaúcha localizou papéis inéditos na casa de Molina, Fonteles afirmou categoricamente à imprensa que Rubens Paiva foi morto no DOI-Codi do Rio de Janeiro. ;A prova documental é muito forte. Ela vem do próprio sistema ditatorial militar com a tarja de secreto. Para mim, está esclarecido. Só falta pontuar quem foi que matou. Quem matou, você não tenha a menor dúvida, foi o Estado ditatorial militar. Agora, alguém deu um tiro, alguém deu socos. Só falta saber o nome;, disse, no início do ano.
Colaborou Adriana Bernardes
Memória
Protesto contra Belham
Em maio do ano passado, 50 jovens que integram o movimento Levante Popular da Juventude realizaram um protesto no estilo ;esculacho;, no Rio de Janeiro, em frente ao endereço, no bairro do Flamengo, que seria do general da reserva José Antônio Nogueira Belham. Os manifestantes picharam a entrada do imóvel e estenderam faixas chamando o militar aposentado de assassino e torturador.
Para realizar a manifestação, os jovens se basearam nas informações contidas no livro A ditadura escancarada, do jornalista Elio Gaspari, que conta a participação de José Antônio Nogueira Belham no caso Rubens Paiva.
Na época da manifestação, o escritor Marcelo Rubens Paiva escreveu um pequeno texto falando da sensação de saber que o general que chefiou o DOI-Coid no Rio de Janeiro na época em que seu pai foi morto morava na sua cidade. ;Soube hoje que um dos responsáveis pela morte do meu pai mora na Rua Marquês de Abrantes, Flamengo, Zona Sul carioca, em que passo direto, sem nunca ter me dado conta de que lá mora a figura que mudou a vida da minha família e trouxe tanto sofrimento para nós e muitas outras famílias.; No mesmo artigo, Marcelo diz que nunca vai desviar o caminho. ;O que vou fazer a respeito? Nada. Vou esperar que a Comissão da Verdade faça. Nem desviarei do meu caminho. Nunca desviei;, finaliza.
Além do Rio, os protestos organizados pelo Levante Popular ocorreram em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém e Curitiba. (JV)