O promotor de Justiça de Juiz de Fora (MG), Antônio Aurélio Silva, foi o relator do processo de Dilma por Minas. Avesso a entrevistas, diz apenas que o processo correu à revelia da presidente, que inicialmente resistiu a entrar com pedido de reparação por ter sofrido tortura. Sua inscrição foi feita sob pressão de representantes mineiros do grupo Tortura Nunca Mais. Eles conseguiram colher a assinatura da mãe dela, Dilma Jane. ;No primeiro momento, Dilma foi contra, mas depois entendeu a importância histórica do ato e acabou colaborando no processo;, afirma.
Até então, o episódio da tortura de Dilma em Minas permanecia desconhecido entre os próprios militantes estudantis de esquerda de Belo Horizonte, acusados de subversão na época da ditadura. ;Não sabia que ela tinha sido torturada em Juiz de Fora;, surpreende-se Gilberto Vasconcelos, o Ivo, presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito de Uberaba e principal contato da organização Colina na cidade. Em janeiro de 1972, Gilberto foi transferido de São Paulo para Juiz de Fora com Dilma, dentro do mesmo camburão. ;Não posso testemunhar sobre a tortura de Dilma em Juiz de Fora, porque, chegando lá, fomos separados e não tive mais contato com ela. Só voltaria a vê-la no dia do julgamento;, completa.
Aquele abraço
Gilberto é conterrâneo de Dilma. Na época, ela tinha 22 anos e ele, 23. Ambos militavam no setor estudantil da organização de luta armada Colina, batizada em homenagem às montanhas de Minas. Mais tarde, na clandestinidade, os dois se tornariam amigos de Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, de codinome Breno, que chegaria a ser dirigente nacional da VAR-Palmares. ;Não há melhor lugar para se esconder do que na praia. Ficávamos eu, ela e o Beto sentados na praia, cantando as músicas da revolução. Um dia, chegou o Beto cantando Aquele abraço, do Gilberto Gil, que eu nunca tinha ouvido. Dilma cantou junto. Ela gostava de cantar e isso nos unia além das convicções ideológicas;, lembra.
Em fevereiro de 1971, Beto seria morto em combate, assassinado com três tiros na Casa da Morte de Petrópolis, no Rio, segundo consta no livro A vida quer é coragem, lançado em janeiro por Ricardo Amaral, ex-assessor de imprensa de Dilma, que trabalhou em Belo Horizonte como repórter do antigo Diário do Comércio. Em homenagem ao amigo de lutas, Gilberto batizou seus filhos como Beto e Breno.
[SAIBAMAIS]
Duas perguntas para//Gilberto Vasconcelos
Como foi sua passagem por São Paulo?
Eu já estava no presídio Tiradentes. Uns seis meses depois, chegou o Max, codinome do Carlos Franklin Paixão Araújo, pai da filha de Dilma. Nós ficamos presos na mesma cela, no mesmo beliche durante um ano e meio. O Max se comunicava com ela através de bilhetinhos escritos com caneta Bic de ponta fina e enrolados no durex, escondidos na obturação do dente. O dentista era um preso político e fazia a troca dos papeizinhos entre a ala feminina e a masculina. Ele era apaixonado pela Dilma e os dois se gostavam mesmo.
E quanto à jovem militante Dilma?
Não estou cometendo nenhuma inconfidência, pois os dois são grandes amigos até hoje, isso é notório. Max sempre foi um cara extraordinário, de raciocínio rápido. Engraçado como as pessoas mudam pouco com o tempo. Estive com Max no casamento da Paula (filha de Dilma), em Porto Alegre, e ele continua do mesmo jeito. Dilma também. Ela estava cercada de amigos e me tirou para dançar na festa. Apesar de ter uma imagem que não reflete isso, é uma pessoa sensível, carinhosa, afável e uma das pessoas mais generosas que conheço. Muito antes de ela se tornar ministra, de ser presidente, sempre disse isso.