Genebra - O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos elogiou nesta sexta-feira a abertura da primeira ação penal contra um ex-militar brasileiro, o coronel Sebastião Curió, acusado de sequestro e desaparecimento de cinco pessoas na década de 1970, iniciativa que considerou "um passo crucial".
As primeiras ações penais iniciadas no Brasil por crimes cometidos durante a ditadura são uma "primeira etapa crucial" na luta contra a impunidade, afirmou nesta sexta-feira o alto comissariado da ONU para os direitos Humanos.
"Felicitamo-nos pelas ações contra o coronel aposentado Sebastião Curió Rodrigues de Moura", afirmou um porta-voz do alto comissariado, Rupert Colville, durante uma coletiva de imprensa.
Mas, ressaltou Colville, "as acusações contra Sebastião Curió ainda devem ser aprovadas por um juiz para que o caso avance e seja julgado".
"É um passo crucial na luta contra a impunidade que cerca os crimes cometidos durante o regime militar" (1964-1985), afirmou o porta-voz, destacando que esta é "primeira vez que o Brasil abre processos por violações aos direitos humanos neste período".
O secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Santiago Canton, também elogiou nesta sexta-feira os avanços no Brasil e no Uruguai contra a impunidade de crimes cometidos durante as ditaduras.
"O tema da luta contra a impunidade por crimes do passado é o eixo central do trabalho da Comissão, e estes dois casos (...) são dois passos a mais (...) para continuar avançando nesta luta", disse Canton durante uma coletiva de imprensa.
Quatro procuradores entraram nesta semana com processos contra este militar, suspeito de sequestrar opositores da ditadura. Será a primeira ação deste tipo no país, onde uma lei de anistia está em vigor desde 1979.
O coronel da reserva Sebastião Curió, conhecido como "Dr. Luchini", é processado pelo "sequestro de cinco militantes capturados durante a repressão contra a guerrilha do Araguaia nos anos 1970 e que estão desaparecidos até hoje", segundo o procurador Tiago Rabelo.
Os processos foram movidos na cidade de Marabá, no estado do Pará, onde agia a guerrilha.
Diferentemente do restante dos países do Cone Sul, o Brasil não condenou militares que violaram os direitos humanos durante a ditadura, já que a Lei de Anistia de 1979 protege os repressores de prisão e julgamentos. Alguns familiares de vítimas apresentaram ações civis, que, segundo o grupo Tortura Nunca Mais, foram desconsideradas nas altas instâncias judiciais.
A CIDH declarou, no fim de 2010, sem "efeitos jurídicos" a Lei de Anistia e ordenou o país a determinar as responsabilidades penais e aplicar sanções pela prisão arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de cerca de 70 pessoas da guerrilha do Araguaia.
Mas o Superior Tribunal Federal (STF) validou este ano a Lei de Anistia e insistiu no fato de que esta não pode ser revisada.
A ação aumenta as polêmicas geradas recentemente pela criação da Comissão da Verdade, destinada a esclarecer os crimes da ditadura, uma iniciativa do governo que não significava ações penais, mas que recentemente levantou a ira de setores das Forças Armadas do país.
Nesta semana, o general brasileiro da reserva Marco Antonio Felicio, numa declaração pouco comum, criticou a abertura da ação contra o coronel Curió e a criação da Comissão da Verdade, ressaltando que estes procedimentos não respeitam a lei da anistia e equivalem a um ato de revanchismo.
"É uma forma de revanchismo de cunho ideológico", afirmou Felicio à imprensa brasileira, acrescentando que, em vez de utilizar a Comissão da Verdade, o país "deve buscar os desaparecidos, se é que existem, sem entrar em confronto com a lei da anistia".
O Estado brasileiro reconhece a existência de 400 mortos e desaparecidos durante a ditadura.
As ditaduras do Cone Sul latino-americano começaram no Paraguai (1954-1989) e seguiram no Brasil (1964-1985), Uruguai (1973-1985), Chile (1973-1990) e Argentina (1966-1973 e 1976-1983), e coordenaram o chamado "Plano Condor" de perseguição de opositores.