Jornal Correio Braziliense

Politica

Políticos recorrem a videntes para pedir proteção e previsões



Já passavam alguns minutos das oito da manhã quando a mãe de santo Railda Rocha Pitta arriou o amalá para Xangô. Preparada com quiabo e camarão, a oferenda, também conhecida como caruru, é cozida todas as quartas-feiras no terreiro, na cidade de Valparaíso, em Goiás, quando ela pede pela saúde de um dos mais notáveis filhos do orixá: Luiz Inácio Lula da Silva. Railda diz já ter preparado guias de candomblé para o petista e chegou a aconselhá-lo para que ele se protegesse dos adversários. Políticos de todo o Brasil, e de Brasília em especial, recorrem desde os tempos de Juscelino Kubitschek a mães de santo, astrólogos, videntes e paranormais.

No vaivém espiritual, pedem de tudo: proteção, conselhos para ganhar eleições e, é claro, ajuda para escapar dos grandes escândalos de corrupção.
Representante na região do terreiro de mãe Menininha do Gantois, uma das mais importantes candomblecistas do país, Railda cultivou, ao longo de seus 73 anos, um rosário de políticos entre seus amigos. Discreta, não admite que muitos frequentem seu terreiro, mas confessa ter contato com os poderosos, de ministros a senadores, além de deputados federais e distritais. Os finados senadores Romeu Tuma e Antônio Carlos Magalhães também batiam cabeça para ela. Foi sob Lula, porém, que Railda mais ganhou prestígio. Tanto que diz: outras mães de santo tiveram ciúme de seu chamego com o presidente. ;Ora, mãe Railda é uma mulher política;, afirma, referindo-se a si própria. ;No Planalto, fiz todo mundo cantar para Xangô. E já preparei guias para Lula usar durante a campanha de reeleição.;

A procura dos políticos por gurus é antiga. Juscelino Kubitschek não dava um passo sem consultar a vidente mineira Neila Alckmin. O pai de santo Bita do Barão, do município maranhense de Codó, é muito bem relacionado com a família do senador José Sarney. No Rio de Janeiro, o ex-prefeito Cesar Maia e o atual, Eduardo Paes, fizeram o município contratar, durante seus três mandatos, a Fundação Cacique Cobra Coral, nome de uma entidade que a médium Adelaide Scritori afirma incorporar para influenciar a meteorologia, afastando a chuva dos eventos turísticos da cidade.

Mas poucos assumem publicamente sua relação com o transcendente. Temem perder os votos do eleitorado evangélico e católico conservador. A discrição é um ativo tão valioso entre os videntes que o sensitivo José Acleíldo de Andrade comprou uma casa no Lago Norte apenas para atender políticos. De terno branco e uma pulseira de ouro cravejada de esmeraldas e brilhantes, Acleíldo tem gestos amplos e carismáticos. Do Recife, chegou a Brasília em 1983, após ter trabalhado na TV Globo do Rio como o rinoceronte do Sítio do Picapau Amarelo. Gosta da proximidade que tem com políticos, a quem só chama pelo primeiro nome, sem empregar ;senhor; ou ;senhora;. Ao ser apresentado a políticos cuja eleição ele diz prever, costuma cumprimentá-lo já pelo nome do cargo. ;Olá, governador fulano;, disse.

Estratégias

;Influencio muitas estratégias de marketing;, afirmou Acleíldo. Uma delas, de acordo com ele, foi na campanha de um governador, quando correligionários falavam mal do 13, número de um então adversário petista. ;Eu disse a ele: ;Você é louco, pare com isso já!’ Foi só porque ele mudou a estratégia que conseguiu ganhar a eleição;, garantiu Acleíldo. Mas nem só de estrelas da política vive Acleíldo. Também recebe muitos deputados do chamado baixo clero. ;Tão baixo clero que não conseguem nem fazer um pacto simples para ganhar um dinheirinho das emendas que saem;, contou o vidente.

Sem revelar nomes, também disse ter sido procurado por pelo menos um ministro recém-demitido por Dilma Rousseff. Para provar, pega um apensado de papéis. Trata-se de um pedido de indiciamento da Polícia Federal contra um conhecido lobista, envolvido em recente escândalo que levou à queda de um ministro. Afasta o documento e espalha as cartas de tarô pela mesa. ;Vamos fazer de conta que você seja o Carlos Lupi. Tire três cartas;, pediu ao repórter, durante uma das conversas com reportagem, travada dias antes da queda de Lupi. ;O que você vê? É uma figura sinistra, segurando um tridente. Mostra que ele não tem mais para onde correr;, disse, descrevendo o desenho da carta, O diabo. Virou a segunda carta, um Oito de Copas. ;Ele está sendo acusado de ter desviado isso tudo que está aqui (aponta para os desenhos, que mostram potes de joias) .; Na terceira, sentenciou: ;Aqui está. O mundo está pesado para ele;, disse. Era a carta O enforcado.

A amizade com políticos também dá poder aos gurus. Após meses sem conseguir marcar uma audiência com um ministro do governo Dilma, um diretor da Confederação Sindical das Américas apelou para sua astróloga, que também costuma atender a autoridade. Bastou um pedido dela para que o homem recebesse o sindicalista em audiência. Mas são os poderosos que mais dependem dos gurus. ;Eu faço reza, passo folha de aroeira, espada de Ogum (a planta espada de São Jorge);, conta mãe Railda. Para Dilma Rousseff, em um dos eventos no Planalto, levou um cordão com chocalho de cascavel. Dilma teria não percebido do que se tratava. Percebendo o estranhamento, Railda explicou que era um chocalho de cobra velha. ;É para usar contra feitiço, inveja, tudo de ruim;, avisou à presidente, completando com a frase que repete para todos os que a procuram: ;Político tem que se proteger. A vida é um jogo de futebol. Quem não faz gol, leva;.

;;Político tem que se proteger. A vida é um jogo de futebol. Quem não faz gol leva;;

Railda Rocha Pitta,
Mãe de santo