Relator do processo que será o divisor de águas para o futuro do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou na quarta-feira (7) que o CNJ tem intimidado a atuação dos magistrados. A declaração foi feita durante a análise de um outro processo, protocolado por um juiz contra uma determinação do conselho que obrigou todos os magistrados brasileiros a se cadastrarem no Bacen Jud. O sistema do Banco Central permite ao juiz solicitar informações sobre movimentações bancárias e determinar o bloqueio de contas.
A sessão de ontem do STF foi uma espécie de prévia do julgamento que definirá os poderes do CNJ no que se refere à investigação de juízes suspeitos irregularidades. A ação foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade pede que a resolução do CNJ que regula os procedimentos disciplinares seja declarada inconstitucional.
Na pauta há mais de dois meses, o processo ainda não tem data para ser julgado. É possível que o caso vá a julgamento somente em 2012. O adiamento se deve à polêmica que se iniciou após o conselho divulgar uma nota de repúdio à corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon. Em entrevista, ela disse haver na magistratura ;bandidos de toga;.
Em plenário, Marco Aurélio citou uma reportagem que destaca, segundo ele, que o regimento do CNJ dá ao órgão poder até para quebrar sigilo de magistrados em procedimentos administrativos de investigação disciplinar. ;Constatei notícia de que o regimento interno do CNJ prevê a possibilidade de, no campo administrativo, sem ordem judicial, quebrar o sigilo quanto a dados de um magistrado;, destacou.
;Não posso conceber que um juiz para atuar de acordo com o direito posto dependa do atendimento de uma formalidade imposta não por lei, mas administrativamente. Aonde chegaremos com essa intimidação da magistratura? Será que isso implica avanço cultural? Será que podemos presumir que todos sejam salafrários até que se prove o contrário;, questionou.
Amedrontados
O ministro disse, ainda, que espera não vivenciar o dia em que a magistratura estará ;de joelhos e não conseguirá mais atuar com a indispensável consciência;. Ele acrescentou que os magistrados têm ficado ;amedrontados; e ;intimidados;.
O posicionamento do ministro indica uma tendência de que ele concordará, no julgamento ainda sem data marcada, com os argumentos da AMB de que o CNJ dispõe de excesso de poderes.
No julgamento de ontem, por seis votos a três, os ministros consideraram válido o ato do CNJ que determinou que os juízes se cadastrassem no sistema Bacen Jud. Ficaram vencidos a relatora do caso, Cármen Lúcia, o ministro Luiz Fux, além de Marco Aurélio. Na opinião dos três, o conselho não tem competência constitucional para fazer tal obrigação aos juízes. Prevaleceu, porém, o voto de Ricardo Lewandowski, para quem, mesmo se cadastrando no sistema, o julgador é absolutamente livre para determinar a penhora ou se a penhora se dará pelo Bacen Jud.
Para a corregedora Eliana Calmon, o CNJ não intimida o trabalho dos juízes. ;Acho que ele (Marco Aurélio) está um pouco equivocado. O Conselho Nacional de Justiça está aqui para fortalecer o Poder Judiciário. Juiz que está certo não julga com medo. Quem está com medo é juiz que não anda na linha, que nunca se preocupou em ter suas contas bancárias secretas e agora sabe que o CNJ, por meio de sua corregedoria, está fazendo investigação patrimonial.;
Votação em aberto
Um grupo de ministros articula o meio-termo para o julgamento em que o Supremo estabelecerá os limites de atuação do CNJ. Segundo o ministro Luiz Fux, o STF irá conciliar os poderes do CNJ com as responsabilidades das corregedorias dos tribunais. Ele adiantou ao Correio que o Supremo deverá inserir o poder de o CNJ punir as corregedorias que se revelarem inertes na apuração dos fatos. Os bastidores mostram que a tendência é de que o órgão de controle administrativo do Judiciário seja autorizado a investigar juízes, independentemente da atuação das corregedorias.