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Moradores de 21 vilas na Gâmbia são imunizados contra pneumococo

Em 1796, o norte-americano Edward Jenner desenvolveu a primeira vacina da história contra a varíola. Desde então, por mais de 200 anos o homem vem tentando desenvolver substâncias semelhantes para controlar outras doenças. Foram as vacinas as responsáveis pelo processo de erradicação da paralisia infantil, do sarampo e da febre amarela, entre outros males, em muitos países. Em outras guerras, como a contra a Aids ou a malária, o sucesso dos pesquisadores não tem sido o mesmo. Cientistas do Conselho de Pesquisa Médica de Gâmbia, em colaboração com a London School of Higiene e Tropical Medicine, anunciaram, no entanto, ter conseguido uma vitória importante para o desenvolvimento de mais uma vacina. Eles conseguiram criar uma estratégia de vacinação que barrou a transmissão da bactéria Streptococcus pneumoniae, mais conhecida como pneumococo, nos moradores de 21 vilas do país africano.

Velha conhecida da população, a bactéria é responsável pelo desenvolvimento de uma série de doenças, que vão da sinusite e da otite até casos graves de meningite. Como pode se alojar no sistema respiratório de indivíduos fragilizados por gripes, ela é uma das causadoras da pneumonia. Embora atualmente existam algumas vacinas disponíveis contra a pequena vilã, nenhuma é totalmente eficaz, em especial na África, onde o perfil das epidemias de pneumococo é diferente do restante do mundo (veja infografia).

Para barrar a transmissão da bactéria em Gâmbia, não foi necessário imunizar todos os cidadãos, mas apenas as crianças. Para chegar a essa conclusão, os especialistas dividiram em dois grupos as 27 aldeias estudadas. No primeiro, todos receberam a vacina, batizada de PCV-7. No outro, apenas crianças de 6, 12 e 22 meses foram imunizadas. Um terceiro contingente não recebeu qualquer tipo de intervenção e serviu como parâmetro para analisar o impacto da vacina nas regiões estudadas.

Em cascata
As duas estratégias ; imunizar apenas as crianças e todos os adultos ; tiveram resultados semelhantes: embora os 71,1% da população que tinham a bactéria continuassem sendo portadores, não houve transmissão entre as pessoas. Assim, por ser mais simples e fácil, a vacinação apenas de crianças se mostrou suficiente para imunizar toda a população. ;Acontece um efeito cascata. As crianças, por serem mais vulneráveis, são as principais transmissoras da bactéria. Quando se barra a transmissão nelas, consegue-se evitar a contaminação de mais pessoas;, disse ao Correio, a epidemiologista gambiana Anna Roca, principal autora do estudo. ;Embora todos tenham sido beneficiados, os efeitos vieram um pouco mais tarde para os não vacinados;, conta.

Mesmo nas aldeias onde apenas os pequenos foram imunizados, tanto as crianças mais velhas quanto os adultos não foram contaminados. Segundo Anna Roca, embora o estudo tenha sido feito apenas em relação à transmissão da bactéria, espera-se que os efeitos clínicos nos pacientes sejam semelhantes. ;Mesmo não tendo pesquisado diretamente essa questão, acreditamos que efeitos semelhantes devem acontecer em relação à doença;, assinala a pesquisadora africana. ;A principal vantagem é que podemos vacinar as lactantes e bebês, durante as vacinações de rotina, e assim proteger toda a população.;

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), nos países desenvolvidos, onde o acesso aos medicamentos e às vacinas já existentes contra o pneumococo é mais difícil, pelo menos 1 milhão de crianças com menos de 5 anos morrem por ano vítima do patógeno. No Brasil, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) ; ferramenta do Ministério da Saúde que monitora as doenças de notificação compulsória no país, como a dengue e a febre amarela ;, entre 2004 e 2007 foram notificados 5.079 casos de meningite por pneumococo no país, com 1.585 óbitos (ou seja, 31% das pessoas que desenvolveram inflamação nas meninges por conta da bactéria morreram).

De acordo com a infectologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Valéria Paes, não existe uma forma de se prevenir contra todas as cepas do pneumococo e todos estão expostos. ;Com exceção das pessoas que estão com a imunidade baixa, que têm uma chance muito maior de contrair a bactéria, a probabilidade de qualquer um ser infectado é a mesma;, afirma a médica. ;Ela é muito comum. Não escolhe classe social, idade ou religião.;

Por isso, enquanto não existe uma solução definitiva para barrar completamente a bactéria, toda a população pode ajudar. ;Quando se fala sobre o uso racional de antibióticos, pensa-se também no pneumococo;, conta a infectologista do HUB. ;Nos Estados Unidos, há uma preocupação grande com o desenvolvimento de linhagens resistentes aos antibióticos. Felizmente, no Brasil, a situação ainda não é tão grave quanto lá, mas observamos ano a ano o aumento da resistência delas;, afirma Valéria. Isso ocorre porque o uso abusivo do medicamento faz uma espécie de seleção natural, facilitando a sobrevivência daquelas bactérias mais fortes e, por consequência, casos mais graves das doenças.


Imunização no SUS

No Brasil, já existe vacinação contra o pneumococo. Há vários anos, pacientes com a imunidade debilitada, como soropositivos, portadores de anemia falsiforme e pessoas que precisam ingerir medicamentos corticoides, já possuem acesso pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a uma vacina contra a bactéria, contendo as cepas mais comuns no Brasil do patógeno. Desde o ano passado, a vacina foi inserida no calendário de imunização infantil da rede pública.