As eleições brasileiras são financiadas por poucas empresas e pessoas, que despejam milhões de reais nas contas dos partidos e dos candidatos. Cruzamentos de dados da Justiça Eleitoral e da Receita revelam a ação de estranhos doadores nas eleições presidenciais, que vão além do caixa dois de campanha. Do caminhoneiro de Goianésia (GO) ao clonador de cartão de crédito de Minas Gerais, das empresas registradas no mesmo endereço à casa onde deveria funcionar uma empresa milionária de construção civil. São anônimos e desconhecidos doadores, que têm a chance de ficar impunes, a pouco mais de um ano das próximas eleições. Recentes mudanças no entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre doações que ultrapassaram o limite enterraram mais de 10 mil investigações em zonas eleitorais pelo país: os ministros decidiram que as ações devem correr no domicílio eleitoral do doador e não mais nos tribunais regionais nem no TSE.
Nas últimas eleições, empresas classificadas como Sociedade de Propósito Específico (SPE) distribuíram cheques para candidatos que variavam entre R$ 8 mil e R$ 20 mil. Os beneficiários foram na maioria das vezes os mesmos: deputados estaduais do Rio de Janeiro, federais de RJ, SP e BA, além de um candidato ao cargo de vice-presidente. A suspeita é de que o único propósito da empresa tenha sido doar sem deixar rastro.
As incorporadoras foram registradas com nome de empreendimentos imobiliários. Entre eles: Baronesa do Poconé; Largo do Machado 21; Marquês de São Vicente; e Estrada do Cabuçu. Todas fazem parte de um mesmo grupo, o PDG, e têm sede em um escritório na Praia de Botafogo, Rio de Janeiro. Ao todo, as incorporadoras doaram R$ 1,1 milhão em 2010. Os principais beneficiários foram o candidato à vice-presidência Índio da Costa (ex-DEM), hoje filiado ao PSD; e o líder do DEM na Câmara, deputado federal ACM Neto. Outra empresa do grupo, a PDG Income, doou R$ 200 mil para a campanha presidencial tucana.
Criada em 2003, a PDG Realty Empreendimentos e Participações tem capital aberto e atua no ramo imobiliário e de investimentos. A CHL, construtora e incorporadora do Rio agregada à empresa, também tem SPEs que fizeram doações na última campanha, de quase R$ 300 mil.
Segundo as investigações, as empresas não teriam apresentado rendimentos à Receita Federal. Fontes ouvidas pelo Correio informaram que as SPEs, entretanto, podem ter se omitido ou mesmo negado as informações porque não desenvolvem atividades de capital circulante. São criadas apenas para receber os recursos da construção dos imóveis. Há dúvidas, inclusive, sobre a legalidade das doações por meio dessas empresas.
Em nota, a PDG informou que as contribuições para campanhas políticas são realizadas rigorosamente conforme legislação específica e declaradas aos órgãos competentes. Ressalta ainda que as SPEs são utilizadas por todo o mercado imobiliário e que cada empreendimento desenvolvido é constituído por uma sociedade com um CNPJ específico.
Clonagem
Mais surpreendente ainda é o caso de um estelionatário, preso por clonagem de cartão de crédito em Minas Gerais. Demetrius da Silva Vieira doou R$ 143 para a campanha presidencial. A cada R$ 13 que chegava aos cofres do comitê do PT, um cartão diferente era usado. As doações foram feitas em dois dias. A reportagem tentou localizar o advogado de Demetrius, mas não o encontrou. Já Roberto Carolino Mendes doou R$ 637. Foram 49 parcelas de R$ 13 com o cartão de crédito. Mendes presta serviços de chapa de caminhão no interior de Goiás. Assim como ele, Jean Pierre da Silva não conseguiu explicar os R$ 2,3 mil que doou para a campanha do PMDB. Nem Ederson Alexandre Samulewski e os R$ 2,8 mil para os peemedebistas. Os três não foram localizados pela reportagem. Dois hackers são investigados pela suspeita de terem doado dinheiro com cartões clonados.
Pela lei, pessoas jurídicas só podem doar até 2% do faturamento bruto no ano anterior ao da eleição. No caso de doações feitas por pessoas físicas, o valor máximo é de 10% do rendimento bruto. Outra firma que chamou atenção pelo volume de doação foi a Vina Equipamentos e Construções Ltda. A empresa colaborou com R$ 76 mil para a campanha de três candidatos mineiros. Registrada em nome de Renato Ferreira Malta e Cláudia Pires Lessa, a Vina funciona em uma casa sem nenhuma identificação no bairro Pindorama, em Belo Horizonte. A reportagem tentou falar com os responsáveis da empresa, mas não conseguiu contato.