As sucessivas crises que vêm ocorrendo no governo desde o início do ano, com rebeliões da base aliada contra o Executivo e com a queda de quatro ministros em menos de oito meses, são vistas por especialistas como resultado do alto poder de barganha dos políticos brasileiros em alianças baseadas na distribuição de cargos, sem respeito a critérios técnicos. As dificuldades de aprovar matérias de interesse da Presidência é um dos resultados negativos desse modelo.
Para o cientista político Sérgio Abranches, que cunhou o termo "presidencialismo de coalizão" para designar esse tipo de organização política, não é propriamente a distribuição de cargos que gera corrupção e instabilidade, mas a condescendência de governantes quando os cargos públicos são usados com fins pouco democráticos.
"A corrupção se agravou com a complacência no caso do mensalão. Quando as principais referências da política são complacentes, acaba-se com qualquer tipo de barreira moral", aponta o estudioso. Na semana passada, o governador da Bahia Jaques Wagner (PT), pontuou a diferença de comportamento entre Dilma Rousseff e seu antecessor, quando atribuiu as demissões dos ministros ao fato de a presidente Dilma ser "absolutamente intolerante com qualquer coisa malfeita com dinheiro público". "Lula, talvez seja mais tolerante com as coisas e pondere mais", completou.
A forma como a presidente Dilma Rousseff tem lidado com as denúncias de corrupção em seu governo é aprovada por parcela significativa da sociedade, mas tem o preço político do desgaste com seus aliados e com os próprios petistas, que vêm demonstrando incômodo com a idéia de que Dilma estaria limpando a sujeira deixada por Lula. O resultado dessa insatisfação é a dificuldade para aprovar medidas importantes para o Executivo.
A prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite gastos mais livres de até 20% dos recursos do orçamento é uma das batalhas que o Planalto tentará vencer nos próximos meses. Para isso, vai precisar pacificar seus aliados sem, no entanto, deixar de lado as denúncias em ministérios controlados por partidos da base.
A revista britânica The Economist destacou, na última edição, que Dilma tem reagido com firmeza aos escândalos de corrupção, além de tentar cortar gastos e substituir cargos políticos por técnicos. Como recompensa, diz a revista, surgem motins em sua coalizão, o que pode levar à postergação de reformas importantes para o País. De fato, a fatura de alianças puramente eleitorais, sem afinidade de conteúdo, tem sido cobrada com a obstrução no Congresso, não apenas da oposição, mas de sua própria base, insatisfeita com o tratamento menos contemporizador que vem recebendo. A saída do PR da base governista, após a mágoa que se instalou nos parlamentares com a demissão de Alfredo Nascimento (PR-AM) do Ministério dos Transportes e a demissão de outros 24 indicados do partido, ilustra bem a situação.
No anteprojeto da Reforma Política, apresentado na semana passada pelo relator Henrique Fontana (PT-RS), o deputado sugere o fim das coligações para eleições proporcionais. Seriam admitidas, porém, "federações partidárias" que poderão atuar como uma única legenda. Para o deputado, a alteração traz um "componente de qualidade programática", mas interlocutores do Planalto admitem que não há possibilidade de que o projeto seja votado esse ano. "Não há espaço para acordo na Câmara entre PT e PMDB, as propostas dos dois partidos são muito diferentes e não há coesão", disse um petista.
Os jogos bizantinos operados na política brasileira causam estranhamento em correspondentes de jornais estrangeiros e até mesmo na secretária de Estado americana, Hillary Clinton, como revelado pelo Wikileaks. Abranches explica que a principal diferença entre o Brasil e outros países democráticos é que, aqui, os partidos se unem em época de eleições para conseguir mais tempo de exposição nas rádios e na televisão, sem objetivos comuns nas políticas que pretendem implementar.
"Os programas de governo têm um papel secundário, diferentemente do que ocorre em outras democracias consolidadas. Há improvisação, não são discutidas as premissas de políticas públicas com o eleitorado", afirma Abranches. Como não há compromisso com programas de governo, o Executivo fica refém das demandas por cargos, emendas e influência dos partidos.
Para Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), o problema no Brasil não é o sistema em si, que pode ser aperfeiçoado com a reforma política e eleitoral. "Há uma excelência constitucional no Brasil, o que está errado é a cultura política, que decorre das nossas escolhas na hora de votar. No Brasil, os cargos são oferecidos à base aliada como agrado, não de acordo com critérios técnicos", afirma o professor.
Lessa ressalta que as concessões não são, necessariamente, fisiológicas. "As coalizões são normais em qualquer democracia consolidada, o que não é normal é a base do governo chantagear o presidente para conseguir emendas e cargos".
Abranches sugere que a formação de uma coligação suprapartidária, nos moldes da que foi anunciada na semana passada por senadores independentes, seja uma saída para o governo. Na ocasião, Dilma Rousseff recebeu apoio de parlamentares para prosseguir com a "faxina" contra a corrupção. "Se conseguir um apoio amplo de parlamentares do bem, fica mais imune às chantagens", afirma.
Outra sugestão vinda do Congresso Nacional para facilitar a governabilidade vem do deputado Luiz Couto (PT-PB). Ele propõe incluir no código de decoro parlamentar uma punição para a chantagem contra o presidente da República. Com isso, acredita, a base aliada pensaria duas vezes antes de preparar motins como os que vêm ocorrendo.