Embora seja visto como um diplomata de esquerda pelos militares, Celso Amorim tem algumas afinidades com as Forças Armadas. Ele, por exemplo, foi contrário à revisão da Lei da Anistia enquanto ocupou o cargo de ministro das Relações Exteriores no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Essa posição do agora ministro da Defesa gera desconfianças por parte dos militantes de direitos humanos, que creditam a Amorim esforços contrários à instalação da Comissão da Verdade e o cumprimento de sentenças internacionais relacionadas ao regime militar. Mas, apesar dessa sintonia com a caserna, a relação do novo titular da pasta com os subordinados não deve ser tranquila.
Amorim chega ao ministério com a missão de manter o acordo com representantes das Forças Armadas para a instalação da Comissão da Verdade. A orientação do Palácio do Planalto é aprovar o projeto de lei em tramitação na Câmara sem fazer alterações no texto até o fim deste mês. O Ministério Público Federal e os familiares das vítimas cobram mudanças na redação da proposta, retirando a possibilidade de os militares participarem do grupo que vai apurar os crimes cometidos durante o regime de exceção. Já os integrantes da Força cobram uma atuação mais efetiva no colegiado e que o texto deixe claro que não haverá possibilidade de punição aos torturadores.
Ontem, militares ouvidos pelo Correio, insatisfeitos com a nomeação de Amorim, afirmaram que o novo ministro deverá encontrar, mesmo após aprovação da proposta, grande resistência para cumprir as determinações da comissão. Entre elas: a escolha de integrantes para compor o grupo e o fornecimento de informações sobre o período ditatorial.
O ministro da Defesa terá ainda que explicar à Comissão de Direitos Humanos da Câmara frases de seu antecessor. Nelson Jobim disse que não existem mais documentos do regime militar, e ativistas de direitos humanos cobram explicações e provas de que houve a destruição de todos os registros.
Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério das Relações Exteriores, à época sob o comando de Amorim, defende que a ;Lei da Anistia foi elaborada de forma legítima;. No entanto, o mesmo documento ressalta diferenças entre o regime militar brasileiro com o de países como Argentina e Chile, que optaram por revogar as leis e deram andamento à punição dos responsáveis pelos crimes. ;São situações distintas das do Brasil, onde a magnitude da repressão foi bastante inferior, ainda que não se possa subestimar a dor das chagas individuais;, diz o texto.
Além da Comissão da Verdade, Amorim terá que se debruçar em temas complicados, como a Estratégia Nacional de Defesa, o mais ambicioso plano do governo para modernizar as Forças Armadas e dar maior segurança à fronteira brasileira. Ontem, Amorim disse, em João Pessoa, onde se encontrava para proferir uma palestra ao ser anunciado como substituto de Nelson Jobim, que manterá a proposta feita por seu antecessor. ;A Defesa tem um projeto importante e que há uma Estratégia Nacional de Defesa já definida no país;, observou Amorim, ressaltando que sempre estará aberto ao diálogo com a sociedade, mas mantendo os interesses do país.
Modernização
A Estratégia Nacional de Defesa foi planejada para ser executada nos próximos 30 anos, com medidas a médio e a longo prazo. A intenção é modernizar e reorganizar a estrutura das Forças Armadas, reestruturar a indústria de material bélico do país e aumentar o efetivo do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Uma das metas é ocupar a Região Amazônica mais efetivamente.
Sobre a compra de novos caças pela Força Aérea Brasileira (FAB), o novo ministro da Defesa deverá deixar a decisão nas mãos da presidente Dilma Rousseff. No passado, chegou a emitir sua opinião sobre o assunto, afirmando que a palavra final não deveria ser apenas militar. Amorim fez a observação poucos dias depois de ter vazado um relatório preliminar da FAB que indicava preferência pelas aeronaves da sueca Gripen, e não pelos Rafale da francesa Dassault ; preferidos pelo governo Lula. Na ocasião, o então chanceler afirmou que a decisão sobre a aquisição dos aparelhos também seria política, e não apenas técnica.
Processos na corte internacional
O MRE, durante o comando de Amorim, apresentou manifestações críticas nos processos em tramitação na Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Itamaraty pediu, em vários momentos, a extinção dos processos relacionados ao regime militar. Ainda assim, o país foi condenado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), no ano passado, por incompatibilidade da Lei da Anistia com o direito internacional e a Convenção Americana de Direitos Humanos.