Jornal Correio Braziliense

Politica

BRICs dão, na China, um recado aos países desenvolvidos

Cinco nações integrantes do Brics criticam os ataques à Líbia e cobram reformas no sistema financeiro mundial, como rodízio no comando do FMI

Sanya ; A paradisíaca ilha de Hainan, ao sul da China, deixou a Declaração de Hainan amena em pontos sem consenso entre os países integrantes do Brics e recheada de críticas aos países desenvolvidos em vários campos. Do político ao econômico. Nas entrelinhas, o comunicado de 12 páginas assinado pelos presidentes dos cinco membros do grupo (Brasil, Rússia, Índia, China e, desde ontem, África do Sul) condena, por exemplo, os ataques à Libia e reclama da lentidão com que os países desenvolvidos tratam das reformas do sistema financeiro internacional.

O encontro privado entre os presidentes da China, Hu Jintao; Brasil, Dilma Rousseff; Rússia, Dmitri Medvedev; Índia, Mohhonag Singh; e África do Sul, Jacob Zuma, foi mais contundente do que o texto divulgado ao fim do evento. Na reunião, eles pregaram um rodízio no comando das instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Os chefes de Estado do grupo estão convencidos de que uma das formas de acelerar as mudanças ; e, por tabela, incluir pelo menos parte de suas moedas na cesta usada pelo FMI ; é por meio da inclusão de países em desenvolvimento no comando desses fóruns.

O conflito na Líbia acabou citado por todos os chefes de Estado em suas falas na reunião privada. Embora não tenha havido debates, foi possível perceber a existência de um consenso em torno das saídas diplomáticas e, conforme antecipou o Correio, o texto rejeitou o uso da força: ;Partilhamos do princípio que o uso da força deve ser evitado;, diz o documento no que se refere à situação na Líbia. Embora não peça o imediato cessar fogo de forma categórica ; apenas o presidente da China, Hu Jintao, defendeu essa posição durante o encontro fechado dos chefes de estado ;, o documento prega o diálogo como a principal alternativa. ;O apelo ao cessar-fogo já existe desde a adoção da resolução 1973. Ela inclui esse objetivo. Não há necessidade de que seja reiterado;, explicou o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota.

No quesito econômico, o texto é mais direto ao cobrar a reforma do FMI e, consequentemente, a ampliação da cesta de moedas que a instituição utiliza, de forma a não ficar restrita ao dólar e ao euro. Há algum tempo, a China tem pedido a inclusão do yuan nesse grupo. Em sua estreia num fórum internacional multilateral, a presidente Dilma Rousseff seguiu o protocolo, mas não deixou de dar seu recado ao defender mais espaço aos países em desenvolvimento (leia trechos do discurso).

No pronunciamento, Dilma fez questão de ressaltar que ;o Brics não se organiza contra nenhum grupo de países. Na verdade, trabalha por mecanismos de cooperação e governança global sintonizados com o século 21;. Para mais adiante, concluir que a agenda do Brics não é de oposição a nenhuma outra.

Financiamento
Os países integrantes do Brics aproveitaram a reunião em Sanya para, em meio às conversas, ressaltar a necessidade de parcerias na questão ambiental e de energia limpa. ;Nossa agenda é rica e ambiciosa;, afirmou o primeiro-ministro indiano ao garantir que não há margem para a acomodação e que a intenção é atuar em várias frentes, com ênfase ao comércio e à reforma da governança dos organismos internacionais.

Em relação ao comércio, os presidentes de bancos de desenvolvimento dos cinco países membros assinaram ontem um acordo para promoção de financiamentos de projetos em moeda local. Hoje, qualquer empresa que deseje se instalar no Brasil e gerar emprego pode pleitear financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). ;A ideia é que isso ocorra em todo os países;, disse o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. A forma como isso será feito não está fechada. ;Uma das propostas é justamente financiar exportações e valor agregado e projetos relacionados à energia limpa;, completou Coutinho.

Hoje, a presidente Dilma segue para Bo;ao, também na ilha de Hainan, onde fará um discurso de oito minutos, no Fórum Econômico da Ásia. Será a primeira vez que o Brasil terá participação no evento. À tarde, na última etapa da viagem à China, Dilma segue para Xian, onde visitará uma fábrica de componentes eletrônicos da ZTE e os guerreiros de terracota. Antes retornar ao Brasil, fará uma escala em Praga.

Conselho de segurança

O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, comentou a entrada da África do Sul no bloco dos países em desenvolvimento e possível ampliação do Conselho de Segurança da ONU. ;O ingresso da África do Sul no Brics tem um sabor de nova multipolaridade. Uma plataforma de ingresso natural, uma vez que a reforma do Conselho de Segurança possa se efetivar. Na medida em que há um reconhecimento mais disseminado de que estamos num mundo multipolar, é meio inevitável que a reforma do Conselho de Segurança aconteça em algum momento. Há um projeto de resolução sendo testado em Nova York. É um debate que não sairá da agenda internacional.;


A participação de Dilma

Confira os principais trechos
do discurso da presidente na cúpula dos chefes
de Estado do Brics:

;Hoje, Brics evoca um grupo de países que revelou sua força e seu dinamismo no contexto da mais grave crise financeira desde 1929. Nossos países reúnem quase 3 bilhões de habitantes. Mesmo antes da entrada da África do Sul, o FMI já previa que seríamos responsáveis por cerca da metade do crescimento mundial entre 2008 e 2014;

;Estamos engajados na criação de uma ordem institucional multipolar, sem tentações, hegemonias ou disputa por áreas de influência;

;O Brics não se organiza contra nenhum grupo de países. Na verdade, trabalhamos por mecanismos de cooperação e governança global sintonizados com o século 21. Isso é válido para as instituições financeiras, como o Fundo Monetário e o Banco Mundial, que precisam dar continuidade à reforma de sua governança, bem como renovar suas instâncias dirigentes;

;As reformas da ONU e de seu Conselho de Segurança são essenciais. Não é possível
que, ao iniciarmos a segunda metade do 21, ainda estejamos atrelados a formas institucionais erguidas
no pós-guerra;