Há 10 anos, um escândalo envolvendo desvio de pelo menos R$ 4 bilhões da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) abalou a política brasileira, ao ponto de chegar ao então presidente do Senado, Jader Barbalho (PMDB). O caso se tornou um dos símbolos da impunidade no Brasil, já que, até agora, as punições são raras e o dinheiro nunca voltou aos cofres públicos. Barbalho renunciou ao mandato, foi preso durante as investigações e, no ano passado, se candidatou ao Senado novamente. Eleito, ele não pôde assumir o cargo por causa da Lei da Ficha Limpa, cuja decisão foi revogada na quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No plenário da Casa, Jader terá que conviver com o colega Pedro Taques (PDT-MT), que há 10 anos, como procurador da República, foi quem pediu sua detenção no caso Sudam.
Nos últimos 10 anos, o Ministério Público Federal abriu quase 500 processos relacionados ao Caso Sudam, mas o resultado do trabalho pouco aparece. ;Do ponto de vista prático, não há recuperação de nada do que foi desviado;, comenta o procurador da República no Pará, Ubiratan Cazzeta, um dos quatro integrantes do Ministério Público Federal que trabalharam no caso durante pelo menos cinco anos. ;Há algumas condenações, mas tudo em primeira instância e nenhuma transitada em julgado (definitiva);, acrescenta Cazzeta. O outro colega de investigação, Mário Lúcio Avelar ; que na época estava lotado no Tocantins ;, não gosta de falar sobre o caso sem solução. ;Não houve punição;, diz ele, encerrando o assunto.
Além dos processos, segundo Cazzeta, existem inquéritos abertos pela Polícia Federal em torno de desvios ocorridos provavelmente depois do escândalo, e que não foram alvo de apuração. Mas o que mais preocupa o Ministério Público Federal é a prescrição ou extinção de algumas ações. Isso ocorreu em Altamira, cidade paraense que registrou grande volume de empreendimentos fantasmas, e onde a Justiça Federal determinou o arquivamento de muitos processos. Um outro fato pode agilizar ainda mais a impunidade. ;Já há entendimentos de tribunais de que o crime cometido no caso Sudam seria delito fiscal, não financeiro. Com isso, as penas diminuem e muitos processos podem prescrever mais rapidamente;, observa o procurador da República no Pará.
Sindicância
As primeiras investigações sobre os desvios começaram em 1997, quando o Ministério Público Federal em Mato Grosso detectou uma fraude de R$ 100 milhões em um empreendimento. A direção da Sudam foi alertada, mandou abrir uma sindicância para apurar os fatos, mas continuou a liberar recursos para a empresa. No início de abril de 2001, o escândalo estourou e mostrou que as fraudes ocorriam em outros estados da Amazônia e no Centro-Oeste, e com o envolvimento de políticos de renome. ;O sistema de incentivos fiscais como o da Sudam é importante, mas a fiscalização na época era uma bandalheira;, conta o hoje senador Pedro Taques, o primeiro procurador a entrar no caso.
A partir de Paraíso, uma pequena cidade do Tocantins, chegou-se ao esquema no Pará, onde vários dos empresários que receberam financiamento da Sudam tinham ligação com o PMDB ou com o então presidente do Senado, Jader Barbalho. A partir daí, a Polícia Federal se aprofundou nas investigações, desgastando ainda mais Jader, forçando-o a renunciar à Presidência da Casa em outubro de 2001 (leia Cronologia).
Taques também acredita que o escândalo da Sudam vai acabar sem punições e sem ressarcimentos aos cofres públicos. E hoje, segundo ele, os processos estão parados por causa da lentidão judicial. ;No Brasil, por exemplo, processos levam até 12 anos para ter resultados, enquanto no Chile, apenas oito meses;, diz o senador.
Cronologia
Abril de 2001
As apurações indicam que Jader Barbalho teria ligações com os chamados ;sudanzeiros;, empresários que tinham empreendimentos financiados pela Sudam. As investigações, que começaram em Cuiabá, se estenderam ao Pará, Tocantins e Amazonas.
Outubro de 2001
Pressionado pelas acusações e em confronto com o ex-senador Antônio Carlos Magalhães, Jader renuncia à Presidência do Senado, perdendo o foro privilegiado e passando a ser um investigado comum. Mesmo assim, o ex-senador continua negando as acusações sobre a Sudam.
Fevereiro de 2002
Sem mandato e, consequentemente, sem foro privilegiado, Jader Barbalho é preso pela Polícia Federal em Belém, atendendo a um pedido da Justiça Federal do Tocantins. Outras pessoas ligadas a ele também foram detidas e, assim como ele, encaminhadas a Palmas. O ex-senador ficou preso por um dia com outras 10 pessoas acusadas de fazer parte do esquema.
Março de 2002
Policiais federais de Brasília fazem uma operação no escritório de Jorge Murad, marido da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Roseana era pré-candidata à Presidência da República, mas a apreensão de R$ 1,3 milhão no escritório da Lunus faz com que despenque nas pesquisas e deixe a corrida presidencial. A família Sarney e parte do PFL (hoje DEM) rompem com o governo.
Outubro de 2006
Jader volta ao cenário político como deputado federal pelo PMDB de seu estado, e passa a apoiar o governo.
Outubro de 2010
Jader é eleito senador, mas a Justiça Eleitoral avalia que ele estava impedido de assumir o mandato por ter renunciado em 2002. Em 30 de novembro, renuncia ao mandato de deputado federal.
Março de 2011
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições de 2010. Com isso, Jader poderá voltar ao Senado para exercer seu novo mandato.