Antônio Temóteo
Relatório da Comissão Externa da Câmara dos Deputados ; criada para analisar políticas sobre drogas ; revela a ineficiência da Política Nacional de Saúde Mental, responsável também pelo tratamento da dependência química, e a necessidade da criação de novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), unidades de atendimento aos usuários de drogas. O documento, obtido com exclusividade pelo Correio, será enviado esta semana à Presidência da República e aos ministérios da Justiça, do Desenvolvimento Social e da Saúde para subsidiar ações futuras do Executivo na criação de políticas públicas relacionadas às drogas. Os parlamentares analisaram ainda a situação do Brasil à frente do debate e os efeitos das políticas sobre drogas em Portugal, Holanda e Itália.
Segundo o documento, os CAPs são a ;espinha dorsal; da política de saúde mental e têm a função de prestar atendimento clínico, promover a inserção social dos pacientes, evitando internações em hospitais psiquiátricos. Existem no país 1.541CAPs, em 17 estados, enquanto mais de 80 mil leitos psiquiátricos foram fechados nos últimos 20 anos, período em que a população do país cresceu em 40 milhões de pessoas. No Distrito Federal, não existe nenhum CAPs de atendimento 24 horas, apesar dos estragos que o crack tem causado entre os brasilienses.
Amplo de bate
Na avaliação do deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), coordenador da comissão que visitou os três países e produziu o relátorio, onde não há tratamento, existe o crime para financiar o vício. Vieira crê na necessidade de ;um amplo debate; entre a sociedade civil e os governantes, pois o assunto é de ;grande complexidade;. Entretanto, após a visita, o deputado se surpreendeu com as políticas públicas portuguesas e crê que algumas delas podem ser aplicadas aqui. ;O que me parece indiscutível é que o problema das drogas deve ser tratado como uma questão de saúde pública. Vejo a descriminalização como uma possibilidade que deve ser debatida. Temos uma legislação avançada, mas a rede de saúde do Brasil não está preparada para atender os necessitados. Em Portugal, o dependente químico só é tratado quando se dispõe a isso. Também existe um sistema que mapeia as regiões, determina as situações mais críticas e os focos de consumo;, comentou.
Na opinião de Vieira, parte das experiências positivas detectadas poderiam ser aplicadas no país, mesmo que experimentalmente. Segundo o parlamentar, outra medida necessária e descrita no relatório é ;subordinar a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) diretamente à Presidência da República e dar status de ministério. ;Dessa forma as políticas públicas sobre drogas teriam mais força.; Uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governo foi retirar o comando militar da Senad. A secretaria foi transferida do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para o Ministério da Justiça, sob o comando de Pedro Abramovay, ex-secretário Nacional de Justiça.
O Escritório das Nações Unidas contras Drogas e Crime (UNODC) defende uma política integral paras as drogas, envolvendo maior participação dos ministérios da Saúde e da Educação. ;O combate às drogas é um grande desafio e que precisa ter propostas alinhadas com os governos locais e as políticas internacionais;, afirma Nizio Nascimento, oficial de programa, especialista em prevenção ao crime e segurança pública.
Duas perguntas para
Fernando Meirelles, cineasta e produtor de Cidade de Deus
Qual a sua opinião sobre a descriminalização das drogas?
Eu não sou usuário, nunca cheirei cocaína na vida e estou fora da faixa média de consumidores, mas se quisesse sei que conseguiria comprar e receber qualquer tipo de droga em menos de duas horas. A criminalização não evita o tráfico nem o consumo, apenas financia o crime organizado. Assim como o final da lei seca foi um golpe para a máfia, a descriminalização seria um golpe para a contravenção em geral.
Qual a importância da retomada do debate (descriminalização das drogas) pela sociedade?
Acho muito importante. Até onde eu sei, nos países onde as drogas foram descriminalizadas, o consumo não aumentou nem diminuiu, mas ao menos o efeito nocivo que acompanha o negócio das drogas ilegais foi minimizado. Não existiria mais traficantes se fosse possível comprar droga de um fornecedor público que garantisse a procedência e ainda tivesse a possibilidade de identificar e orientar o consumidor sobre os riscos que ele corre.