Sem consenso dentro do governo, a aplicação de penas alternativas em crime de tráfico de drogas, prevista por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de setembro de 2010, ficará a cargo do Judiciário. Apesar do apoio do secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que o governo tem opinião contrária ao projeto e que não irá encaminhar proposta de lei para o Congresso acabando com a prisão de pequenos traficantes.
Entretanto, quatro meses após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a medida ainda é restrita às capitais e tribunais de segunda instância. Sem efeito vinculante, os ministros entenderam que caberia ao juiz a competência de examinar cada caso e, eventualmente, converter a pena. Levantamento feito pelo Correio em varas criminais de todo o país revela que o precedente aberto pelo Supremo é limitado e não abrange áreas diretamente afetadas pelo tráfico. Proximidade com o crime, desorganização no sistema de penas alternativas e desinformação são apontados como motivo para diferentes realidades.
A presidente Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral, criticou a descriminalização e defendeu ações mais repressivas no combate às drogas, uma das bandeiras de governo. Publicamente, Cardozo havia defendido o debate público sobre a descriminalização das drogas. Abramovay apoia a alteração da pena de pequenos traficantes como alternativa ao caos do sistema penitenciário e como forma de viabilizar a reinserção dos detentos na sociedade.
A Polícia Federal, responsável pelas ações de repressão às drogas, também é contrária a revisão na pena de traficantes. Defende, porém, mudanças que criem parâmetros quantitativos para que os juízes considerem tráfico de drogas. Com a polêmica, a tendência é que o governo deixe mais uma vez a decisão para o Judiciário. A edição de uma súmula vinculante chegou a ser sugerida, mas não deve ser levada adiante. Cardozo encomendou um estudo sobre a legislação e as experiências de outros países com políticas públicas sobre drogas. O bate-cabeça dentro do governo deixa claro que, apesar do tema ter sido exaustivamente repetido pela presidente Dilma durante as eleições, ainda não há uma proposta definida para as drogas no novo governo.
Sem consenso
Coronel Sapucaia, fronteira do Brasil com o Paraguai, ocupa a quinta posição no ranking nacional de violência. A taxa de homicídio é de 103 a cada 100 mil habitantes. A estatística soma-se ao tráfico de drogas, roubo de cargas e de veículos, engrossando a pilha de 3,5 mil processos nas mãos do juiz Cezar de Sousa Lima. O presídio da região está à beira de um colapso, como tantos outros pelo país. Num espaço feito para 67 presos, amontoam-se 216 detentos. O magistrado, ainda assim, defende uma posição firme: não aplica pena alternativa nos casos de comércio ilegal de drogas.
;O tráfico é financiador de outros crimes. O pequeno traficante ou o mula são engrenagens essenciais e cometeram um crime grave;, afirma o juiz. Contrário ao que considera ;abrandamento da lei de tráfico;, o magistrado teme o crescimento do mercado ilegal, da impunidade, e critica a medida como forma de sanar o problema das superlotações dos presídios. ;O Estado tem que assumir suas responsabilidades.;
A Justiça de municípios de fronteira no Acre, Rondônia e Mato Grosso segue a mesma lógica. Os magistrados ainda reclamam da falta de estrutura para aplicação de penas alternativas nestas cidades. Varas Criminais do Paraná também entendem que a decisão do STF foi uma ;excepcionalidade e só consideram possível a pena alternativa para usuários.
Alternativa
Em Cuiabá, a 9; Vara Criminal concedeu, desde setembro, data da decisão do STF, 24 penas alternativas em crimes de tráfico de drogas. No Juizado Especial, o número é ainda maior: 186, sendo que 174 foram encaminhados para o tratamento da dependência química nos Centros de Atendimento Psicossocial (CapsAD).
O juiz Sandro Portal, da vara criminal de Porto Alegre, também adotou o entendimento da Corte Superior. ;Analiso o caso concreto, tentando estabelecer naquele processo o histórico de vida da pessoa, o tipo de envolvimento com o delito, as relações familiares e profissionais para a partir daí determinar se naquela circunstância é conveniente a substituição pela pena alternativa;, afirma. Na capital do Rio Grande do Sul, um rapaz, preso em flagrante com drogas, recebeu como punição a limitação do fim de semana e a participação em palestras. Com endereço fixo, dois empregos e relações familiares sólidas, o jovem buscava, segundo o processo, elevar a renda com a venda de entorpecentes.
A Vara de Execuções de Penas Alternativas do TJ de Pernambuco concedeu esse tipo de pena em 10 decisões, desde setembro. Na última quarta-feira, foi a vez do Tribunal de Justiça de São Paulo converter em prestação de serviço à comunidade a sentença de um rapaz condenado por tráfico de drogas. Preso com 25 porções de maconha e 15 pedras de crack, o jovem alegou uso próprio. Mas para o relator a grande quantidade de drogas em poder do rapaz caracteriza tráfico.