Jornal Correio Braziliense

Politica

Hugo Chávez cede a vez para Hillary Clinton na hora de cumprimentar Dilma

Isabel Fleck,

Carolina Khodr

Diante da presidente eleita, Dilma Rousseff, dois dos mais ilustres convidados internacionais trocaram uma gentileza inesperada. Colocados em sequência na fila dos cumprimentos, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, viram-se obrigados a interagir pela primeira vez desde o imbróglio diplomático gerado com a recusa de Chávez em receber o novo embaixador nomeado pelos EUA para Caracas. Segundo o chanceler Celso Amorim, Chávez honrou o cavalheirismo latino e cedeu a Hillary seu lugar na fila. Os dois, porém, não voltaram a encontrar-se no coquetel oferecido às delegações visitantes no Itamaraty: Chávez deixou Brasília no início da noite, embora tivesse reunião bilateral marcada com Dilma para a manhã de hoje.

;O Chávez foi muito gentil e cavalheiro: ele teria precedência (por ser chefe de Estado), mas deixou-a passar na frente;, disse Amorim depois da cerimônia de no Planalto. O chanceler, único ministro a permanecer durante os oito anos ao lado de Lula, foi também o único que o acompanhou até a descida pela rampa do Planalto. ;É muito emocionante, acho que o Brasil viveu um momento histórico importante: depois de termos tido uma transição bonita, que foi do presidente Cardoso para o presidente Lula, o presidente Lula transferiu o poder para uma mulher, com o apoio que ele tinha;, disse Amorim. Hoje à tarde, ele transmite o cargo para o sucessor (e amigo) Antonio Patriota.

Segundo Amorim, um dos líderes mais entusiasmados durante o discurso de Dilma foi o presidente Chávez. ;Todos estavam muito emocionados, mas principalmente os que acompanharam o presidente Lula por mais tempo, como o presidente Chávez, que estava quase chorando;, contou. O governante venezuelano encheu Dilma de afagos, como é seu estilo, mas o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, foi nostálgico bem à moda lusitana. ;Ele disse: ;Ah, já temos saudades;;, contou Amorim.

Vieram para a cerimônia de posse 10 presidentes, nove primeiros-ministros e um vice-presidente, além de dezenas de embaixadores e representantes das Nações Unidas. A grande maioria dos chefes de Estado e de governo, no entanto, são da região. Faltaram altos representantes de importantes parceiros, como França, Índia, China e Irã. Para Amorim, no entanto, o esvaziamento se deve, em grande parte, ao fato de a posse ser realizada no dia 1; de janeiro. ;A gente sempre gostaria que tivesse mais (presentes), mas a data realmente é pouco feliz;, disse o ministro.

Mesmo na vizinhança, presidentes próximos, como a argentina, Cristina Kirchner, o equatoriano, Rafael Correa, e o boliviano, Evo Morales ; que tinha confirmado presença ; não prestigiaram a nova presidente do Brasil. Segundo Amorim, Morales não justificou a ausência, mas provavelmente foram ;questões internas;. ;O que ouvi dizer foi que, como ele tinha de mudar uma legislação que tinha acabado de baixar, isso talvez tenha criado algum problema;, disse, referindo-se ao aumento da gasolina.

Passagem relâmpago
Hillary Clinton teve uma passagem relâmpago por Brasília: apenas três horas. A secretária de Estado Base Aérea às 16h20, quando Dilma saía do Congresso em direção ao Planalto, e foi a última a chegar ao palácio, já quando a presidente encerrava o discurso no parlatório. Para receber os cumprimentos de Hillary, Dilma precisou da ajuda de um tradutor. As duas conversaram rapidamente, de mãos dadas. A americana foi a primeira convidada a chegar para o coquetel no Itamaraty, mas foi embora antes da chegada da presidente. Segundo a embaixada americana, Hillary teve de embarcar às 19h30, por conta de restrições de horários do avião militar que a trouxe. ;É maravilhoso estar aqui, estou muito feliz pelo Brasil;, disse Hillary à imprensa antes de deixar o Itamaraty.

Para Amorim, apesar da rápida passagem, a simples presença de Hillary foi um gesto importante. ;Que eu saiba, foi uma das primeiras vezes que os Estados Unidos mandam uma secretária ou secretário de Estado para a posse. Geralmente mandavam vice-ministros;, observou.

Em seu primeiro discurso, no Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff falou da política externa que pretende seguir e, na presença de vários colegas da América Latina, afirmou que pretende trabalhar para que o crescimento do país seja estendido a toda a região. ;Seguiremos aprofundando o relacionamento com nossos vizinhos sul-americanos. O Brasil reitera, com veemência e firmeza, a decisão de associar o seu desenvolvimento econômico, social e político ao de nosso continente. Podemos transformar nossa região em componente essencial do mundo multipolar que se anuncia, dando consistência cada vez maior ao Mercosul e à Unasul;, disse.

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, lembrou que o governo de Lula foi muito importante para o Brasil e manifestou a expectativa de que Dilma continue no mesmo rumo. ;Chile e Brasil sempre foram países amigos. Eu conversei com a presidente Dilma e vamos continuar no mesmo caminho. O Brasil é uma potência não só na América Latina, como no mundo;, afirmou. O presidente também falou sobre a questão da polarização política entre esquerda e direita na America Latina. ;Não deveria mais existir isso. O que precisamos é trabalhar juntos.;

Transição antecipada
O ministro Celso Amorim e seu sucessor, o embaixador Antonio Patriota, não aguentaram esperar até a transmissão solene do cargo, marcada para hoje no Itamaraty. Como secretário-geral das Relações Exteriores, o novo ministro esteve presente à sessão de cumprimentos da presidente Dilma Rousseff com os convidados estrangeiros. Já com a cerimônia em andamento, Amorim cedeu a Patriota a posição que ocupava de início, logo em seguida ao vice-presidente Michel Temer. O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que já ocupava o cargo no governo Lula, estava mais atrás na fila.

Durante oito anos, Ricardo Stuckert, mais conhecido como Stuckinha, foi a sombra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como Lula, o fotógrafo oficial da Presidência da República desde 2002 acompanhou não apenas os fatos que marcaram a história do país nos últimos anos, mas também registrou diversos momentos pessoais e cotidianos do ex-presidente. Agora, Stuckinha arruma as malas para sair de Brasília.

Mas a história da família com o Planalto, que começou em 1979 com Roberto Stuckert ; Stuckão, como é chamado, foi o fotógrafo oficial do último presidente do regime militar, general João Baptista Figueiredo (1979-1985) ; não está acabando. Mesmo após a troca de governo, um Stuckert vai permanecer na capital federal. Fotógrafo oficial durante toda a campanha da ex-ministra Dilma Rousseff, Roberto Filho substituirá o irmão no cargo.

Assim como o pai, que fotografou o último governante militar, e o irmão, que registrou os momentos do primeiro operário que chegou ao poder, Roberto, o Stucka, será responsável por registrar quatro anos que ficarão para sempre na história do Brasil. Marcando três ciclos bastante distintos na trajetória da família Suckert, ele será o fotógrafo da primeira mulher presidente do país.