Talvez nenhum outro político que não assumirá cargo eletivo em 2011 aguarde mais o próximo 1; de janeiro do que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ainda durante as eleições de outubro, FHC lançou o desafio: ;Quando o presidente Lula vier, como todo candidato democrata eleito, de novo, perder a pompa toda, perder o monopólio da verdade, está desafiado a conversar comigo em qualquer lugar do Brasil;. Pois bem, finda a eleição, FHC poderá ter o seu ansiado tête-à-tête com o sucessor em não mais do que duas semanas, ainda que seja pouco provável que essa batalha seja travada publicamente.
O desafio, feito no meio da campanha presidencial como uma reação às críticas que julgou exageradas contra o seu governo, explicitou um embate que deve tomar os dois ex-presidentes a partir do ano que vem: a discussão de quem deixou a melhor herança para o país depois de oito anos à frente do Palácio do Planalto. Mesmo que o esperado combate não aconteça, pelo menos à luz do dia, tucanos e petistas já antecipam a ;disputa de heranças;.
Holofotes
Para os tucanos, ao descer a rampa do Planalto e deixar para trás a máquina de governo, a redução dos holofotes sobre Lula possibilitará um raciocínio menos emotivo sobre as duas gestões. ;Lula está deixando uma herança questionável, crédito artificial, aumento excessivo de despesas. O crescimento da renda não foi acompanhado do investimento necessário, o que traz inflação. Ele é um populista conservador;, acusa o deputado federal José Aníbal (PSDB-SP).
Ex-líder do partido na Câmara dos Deputados durante a era FHC, o parlamentar entende que o principal triunfo de Lula foi aumentar o marketing sobre as ações sociais do governo e incrementar os benefícios sociais. As medidas, no entanto, teriam sido pavimentadas pelo antecessor, por meio da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal e a reforma do setor financeiro, além da estabilização da economia. ;O governo Lula foi conservador, não fez reforma alguma, nada. Cultivou boas relações exteriores e duplicou os benefícios sociais. Estabeleceu isso como espinha social e transformou os resultados em benefícios políticos;, diz Aníbal.
Números
Entre os petistas, a disputa não deixa de ser aguardada com ansiedade. Ex-ministro da Previdência e do Trabalho durante a gestão Lula, o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP) acredita que a comparação futura se dará sobre os números. ;Há coisas conceituais, nível de transparência, permeabilidade, mas o que fica são os números. O governo Lula na quase totalidade tem números bem melhores do que o do FHC, inclusive nas áreas em que eles diziam ter excelência;, provoca Berzoini. O petista cita a diminuição do desemprego e a redução da desigualdade social como pontos que desequilibram a balança a favor de Lula.
Outro ponto que os petistas apontam favorecer o atual governo é a maior inserção do Brasil na política internacional. A questão, como quase tudo que cerca a polêmica sobre o embate, muda de percepção conforme o observador. Os atuais ocupante do Planalto dão créditos para Lula e para o alinhamento a países em desenvolvimento. Já os tucanos creditam essas conquistas às bases lançadas por FHC. ;O tempo vai trazer uma comparação melhor. O governo FHC trouxe um governo redondo. O que não havia de redondo era a ameaça que Lula representava. Nestes 16 anos, o Brasil vive um círculo virtuoso, instalado pelo FHC e que o Lula sensatamente manteve;, analisa José Aníbal.
Se a comparação for feita com base na popularidade de cada presidente, ao fim dos respectivos mandatos, há vantagem clara para Lula. O atual presidente teve o governo avaliado como ótimo ou bom por 87% dos entrevistados, segundo levantamento divulgado pela CNT/Sensus na semana passada. Já Fernando Henrique Cardoso deixou a Presidência com sua gestão avaliada como ótima ou boa por 26% dos entrevistados, em pesquisa publicada pelo Datafolha em 19 de dezembro de 2002.
"Lula está deixando uma herança questionável, crédito artificial, aumento excessivo de despesas. O crescimento da renda não foi acompanhado do investimento necessário, o que traz inflação. Ele é um populista conservador"
As armas de cada um
Veja alguns dos argumentos que Lula e FHC poderiam usar caso se confrontassem publicamente para comparar as performances à frente do Palácio do Planalto
Governo FHC
; Controle da inflação
; Estabilização monetária
; Aprovação de reformas estruturantes
; Lei de Responsabilidade Fiscal
; Estabilização das instituições democráticas
; Avanços nas políticas de combate à Aids
Governo Lula
; Redução do desemprego
; Diminuição das desigualdades sociais
; Fim do endividamento com o Fundo Monetário Internacional
; Maior inserção do Brasil na política exterior
; Índice de aprovação recorde
; Recuperação pós-crise econômica internacional