Edson Luiz
Josie Jeronimo
Renata Mariz
Leandro Kleber
Especial para o Correio
Quando os 513 deputados e 81 senadores iniciarem a 54ª legislatura em 1º de fevereiro, receberão um subsídio de R$ 26,7 mil, pela abertura dos trabalhos. Esse valor se repetirá no contracheque dos parlamentares até 31 de janeiro de 2015 e pagaria o salário da atendente Alaide Santos Souza durante os próximos quatro anos. A jovem de 20 anos trabalha em um restaurante do Centro Cultural Banco do Brasil e ganha R$ 510 por mês, vencimento calculado em um salário mínimo.
Se trabalhar ininterruptamente durante o período que abrange a próxima legislatura, em fevereiro de 2015 Alaide vai acumular R$ 25,9 mil por quatro anos de serviços prestados. "Esse aumento dos parlamentares deveria ser para a gente, povo trabalhador. Eles não precisam", afirma a mulher, que mora no Jardim ABC, próximo a São Sebastião, e demora três horas para ir e voltar do trabalho, sempre de ônibus. Atualmente, mais de 7 milhões de trabalhadores e 18,5 milhões de aposentados vivem com um salário mínimo, no Brasil.
O abismo que separa o vencimento dos deputados e senadores da realidade remuneratória do brasileiro não se resume aos trabalhadores que recebem o salário-base. A assertividade que marcou a votação do reajuste de 61,8% no subsídio dos parlamentares não se repete quando o Legislativo tem que decidir sobre melhorias na remuneração de profissionais de áreas-chaves para o país, como médicos, professores e policiais.
Em uma eleição marcada pela polêmica envolvendo o suposto analfabetismo do deputado recém-diplomado Tiririca (PR-SP), os parlamentares da atual legislatura mostram que o critério da meritocracia não vale no momento de mensurar os salários pagos com dinheiro público. Tiririca, que informou em seu registro de candidatura que "lê e escreve", ganhará o mesmo que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que acumula no currículo pelo menos 28 anos de formação. A média de estudo dos parlamentares é de 14 anos.
O salário de R$ 26,7 mil dos parlamentares é seis vezes maior do que o pago a professores universitários com mestrado e doutorado, segundo o presidente do Sindicato dos Docentes da Universidade de Brasília (UnB), Ebenezer Nogueira. "É fora da realidade o que um deputado ganha. O aumento dos parlamentares é imoral. Toda a população viu que, no apagar das luzes, eles têm toda essa energia para aumentar seus ganhos", critica Nogueira.
A comparação dos vencimentos dos deputados e dos senadores com os dos profissionais do ensino médio e infantil mostra um abismo ainda maior. O montante que constará no contracheque dos parlamentares no próximo ano é suficiente para custear a folha de pagamento de uma escola com 27 professores da educação infantil e arcar com o salário de 15 professores que dão aula para o ensino médio, informa a presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais, Terezinha Lúcia de Avelar.
Abismo
Na área da segurança pública, o abismo se repete. O salário de um parlamentar seria suficiente para remunerar 24 policiais militares em início de carreira no Rio de Janeiro. O vencimento bruto de um PM fluminense é de R$ 1.137,49, contando os benefícios. A categoria termina o ano sentindo-se traída por conta do engavetamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 300, que determina um piso nacional de R$ 3,5 mil para os policiais.
O aumento que os parlamentares promoveram em seus próprios salários foi a gota d'água para a frustração se transformar em revolta. "Eles deveriam ter vergonha na cara e aprovar nosso piso, garantindo aos policiais, que arriscam suas vidas e estão presentes em todos os municípios deste país, condições dignas de vida e de trabalho", afirma Wilson de Oliveira Moraes, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar de São Paulo.