A reclusão da presidente eleita, Dilma Rousseff, e a economia de suas palavras em público nesse processo de transição de governo em nada lembram as peripécias diplomáticas e midiáticas de Lula há oito anos, quando se preparava para assumir seu primeiro mandato. Ao contrário de Dilma, que escolheu a Granja do Torto, residência de campo da Presidência da República, para se entocar e receber seletos aliados, ele já imprimia entre novembro e dezembro de 2002 algumas de suas marcas que foram sendo reforçadas ao longo do tempo.
Trinta e cinco dias depois de ter confirmada sua vitória no segundo turno, Lula já dava início a uma jornada internacional que tinha como principal objetivo torná-lo a maior liderança da América do Sul. E nem precisou de tanto esforço para isso. Depois de um rápido périplo por Argentina e Chile, ele voltou ao Brasil com o título que almejava. Coube ao então presidente do Chile, Ricardo Lagos, fazer a coroação. ;Hoje, você tem o desafio de articular crescimento com mais justiça social. E tenho certeza que nesse processo você vai também dar a liderança que a América Latina necessita;, afirmou Lagos na época. Na semana seguinte, Lula recebia na Casa Branca os cumprimentos do presidente dos EUA, George Bush, pela vitória nas eleições e já aproveitava para marcar posição sobre comércio internacional e segurança regional das Américas. Na ocasião, ele confirmou Antonio Palocci como ministro da Fazenda e a senadora Marina Silva (PT-AC) para o Ministério do Meio Ambiente.
Dilma, no entanto, tem adotado um comportamento completamente diferente de seu guru e antecessor no Palácio do Planalto. Ela não deu mais as caras em eventos internacionais após participar da reunião do G-20, em Seul, na Coreia do Sul, no começo de novembro. A petista se esquivou, inclusive, do convite feito pelo presidente norte-americano Barack Obama para receber as devidas homenagens na Casa Branca.
Dilma deve abrir exceção para participar da Cúpula Social do Mercosul, entre 13 e 16 de dezembro, em Foz do Iguaçu (PR), segundo a sua assessoria. O evento vai contar com representantes de minorias, como negros, índios e portadores de deficiência. Em 17 de dezembro, ocorre a 40; Cúpula de Presidentes do Mercosul e estados associados. Para o cientista político Leonardo Barreto, os desafios de Dilma diante da composição de sua equipe ministerial explicam a ausência dela em compromissos internacionais. Mas isso deve ser por pouco tempo. ;Ela não terá muita escolha. A posição do Brasil sobre temas globais é sempre exigida;, disse ele.
PT pelo binóculo
A relação do PT com a Presidência da República também deve sofrer muitos abalos. Desde que venceu as eleições, Dilma mantém distância das bancadas do partido no Congresso Nacional. Qualquer tipo de negociação é mediada pelo trio formado pelo presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, e pelos deputados federais Antonio Palocci (PT-SP) e José Eduardo Cardozo (PT-SP). Os dois últimos foram confirmados como ministros da Casa Civil (Palocci) e da Justiça (Cardozo). O comportamento é bem diferente do adotado por Lula, que sempre esteve perto de seus aliados de primeira hora. Lula atuava também como o bombeiro das crises no partido. Coube a ele encontrar um lugar para José Genoino, que saiu derrotado da disputa pelo governo paulista em 2002. Para compensar o sacrifício do colega, Lula trabalhou pela eleição dele para a Presidência Nacional do PT. O líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), minimiza o descaso de Dilma. ;A relação é muito boa. Eu, por exemplo, já participei de muitas reuniões com ela;, disse ele, para, em seguida, admitir que até agora não foi consultado sobre a transição. A situação não poderia ser diferente, segundo Barreto. ;Ela é uma neófita no PT. Não tem trajetória partidária;, afirmou o cientista político. A falta de identificação de Dilma com o PT foi um dos principais obstáculos para Lula vencer entre os correligionários. Uma pesquisa coordenada por Barreto no primeiro semestre de 2009 revelou que somente 17% dos integrantes da bancada do partido no Congresso eram favoráveis.
Três perguntas para
Olga Curado, especialista em media training que preparou Dilma Rousseff para os embates televisivos.
A senhora já preparou vários políticos, inclusive Lula para o debate de segundo turno de 2006. Foi diferente preparar Dilma?
Cada momento é único. Cada um de nós funciona de um jeito. Não adianta ter um plano de voo igual para todos. Os destinos e o tempo são diferentes. O presidente Lula é mais intuitivo, ele sente se a orientação que lhe é passada vale para ele e a incorpora ou não, a partir de uma experiência quase emocional. A presidente eleita é uma pessoa de admirável honestidade intelectual. Ela busca compreender em detalhes os processos e aí decide. O presidente Lula do primeiro mandado é diferente do presidente Lula do segundo mandato. Ele também foi se tornando uma estrela do improviso à medida em que foi se expondo mais. O cotidiano de eventos públicos, de grande exposição, a abordagem permanente da imprensa, vão influenciar a construção do estilo da nova presidente. A personalidade da presidente eleita me sinaliza que ela poderá se pautar por uma comunicação mais comedida, reflexiva e concentrada.
Como foi transformar uma pessoa hábil na linguagem técnica e no discurso para um público reduzido em uma figura que passou a falar de uma forma mais popular e para grandes massas?
É importante ressaltar que não houve a transformação de uma forma de expressão em outra. O que aconteceu foi um processo de revelação das habilidades que não eram antes muito demandadas no dia a dia da presidente eleita e que passaram a ser uma rotina na campanha. Também é necessário reconhecer que a presidente eleita sempre possuiu todas as condições para realizar uma comunicação mais popular. Quais são elas? O domínio do conteúdo, a informação e a clareza dos propósitos, ou seja, objetivos dela ao se tornar candidata. Os ajustes foram apenas para adequação de tempo, levando em conta o foco, o centro do interesse do público.
Qual foi a característica mais marcante da então candidata que você procurou potencializar?
O essencial era sempre mostrar as crenças e os valores da presidente eleita. Além da assertividade, da sua capacidade de fazer, ela possui grande sensibilidade. Isso era pouco visível no início da campanha, mas foi ficando claro. Além disso, ela tem um sorriso muito bonito.