Não foi à toa que a presidente eleita, Dilma Rousseff, em seu primeiro pronunciamento, logo após ter sido declarada vencedora nas urnas, reforçou o compromisso de erradicar a pobreza no Brasil. A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad) da Segurança Alimentar revelou que a preocupação sobre se haverá ou não o que comer caiu nos últimos anos, mas ainda rondava 30,2% dos domicílios brasileiros em 2009 ; eram 34,9% em 2004.
Segundo os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado, 65,6 milhões de pessoas tiveram esse tipo de medo ou alguma restrição alimentar. Para 11,2 milhões de pessoas (5% dos domicílios), o que corresponde a aproximadamente a população da cidade de São Paulo, o quadro era mais grave: eles ficaram sem comer em pelo menos algum dos 90 dias anteriores à realização da pesquisa.
O IBGE trabalha com três graus de insegurança alimentar, que ocorre quando a quantidade ou a qualidade dos alimentos é considerada insuficiente. A insegurança leve, que afeta 40 milhões de brasileiros, considera a preocupação sobre a falta de comida e a qualidade inadequada dela; a moderada, sentida por 14,3 milhões de pessoas, está relacionada à redução da quantidade de alimentos entre adultos; e a grave ocorre quando se constata a redução da quantidade de alimentos entre crianças e situação de fome para qualquer membro da família, atingindo 11,2 milhões de cidadãos.
A pesquisa mostrou ter havido evolução da segurança alimentar no Brasil, ou seja, a certeza do brasileiro de que não passará fome. De 2004 a 2009, 7 milhões de pessoas passaram a se alimentar com regularidade, o que mostra um avanço de 40% no combate à fome em cinco anos, mas ainda aquém da solução definitiva, como pretende Dilma Rousseff. O percentual de domicílios onde é comum faltar comida caiu de 7% para 5%, sendo a escassez predominante no Nordeste e nas zonas rurais.
A primeira reunião de Dilma sobre políticas públicas para o próximo governo foi com 30 especialistas de programas de combate à pobreza. A presidente afirmou, durante o encontro, que o resultado das políticas atuais é positivo, mas reconheceu que é preciso ir além, criando e implantando projetos que deem conta da complexidade do problema no país.
O secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Rômulo Paes de Souza, defendeu os programas executados pela pasta e lembrou que a pesquisa mostra que os grupos sociais vulneráveis passaram a ter mais comida em casa. O secretário participou da reunião com Dilma e está seguro quanto ao compromisso do próximo governo com as políticas de erradicação da pobreza. ;Até agora, colhemos os frutos mais fáceis. O desafio é colher todos;, afirmou Souza.
Renda transferida
A segurança alimentar cresceu, sobretudo, entre as famílias com renda inferior a meio salário mínimo, em função dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O aumento do emprego formal e do piso salarial nacional também reforçaram a melhora à mesa. O secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome Rômulo Paes lembrou que a desnutrição no Brasil caiu de 14%, em 1996, para 4,5%em 2006.
Rômulo Paes fez questão de comparar os índices brasileiros com os do México e dos Estados Unidos, países que utilizam a mesma metodologia para avaliar a segurança alimentar. Segundo ele, os números do Brasil estão mais próximos dos níveis americanos do que dos mexicanos. ;O Brasil apresenta 70% de segurança alimentar; o México, 38%, e os Estados Unidos, 85%;, afirmou.
O especialista da Fundação Getulio Vargas Marcelo Neri concorda com a afirmação do secretário. Ele mencionou estudos da fundação indicando que a redução da miséria teria sido menor sem os investimentos no Bolsa Família. Pesquisas da Fundação mostram também que as famílias gastam o dinheiro do benefício com a compra de alimentos. Neri considera o aporte pequeno, cerca de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), diante dos 25% de milhões de brasileiros atendidos.
Bolsa 2.0
Para avançar na erradicação da pobreza, segundo o especialista da Fundação Getulio Vargas Marcelo Neri, é necessário criar o que ele chama de Bolsa Família 2.0. A ordem, para ele, deve ser não só acabar com a fome mais urgente, mas avançar na erradicação da miséria, criando expectativas para as famílias. ;É preciso priorizar saúde e educação para que as pessoas comecem a pensar no futuro e não só no presente;, destacou.