Para impedir um rombo de R$ 2,6 bilhões nos cofres públicos em 2011, o Tribunal de Contas da União (TCU) pediu ontem ao Congresso Nacional a paralisação imediata de 32 obras mantidas pelo governo por graves indícios de irregularidades na execução dos contratos de prestação de serviço em 19 unidades da Federação. Ao todo, 231 contratos foram analisados pelo corpo técnico do tribunal nos últimos 12 meses. O montante total de recursos é da ordem de R$ 35,5 bilhões. O resultado de toda a apuração foi entregue nas mãos do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pelo presidente do TCU, ministro Ubiratan Aguiar.
Entre as iniciativas consideradas suspeitas, 18 estão sendo supervisionadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal vitrine do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na área de infraestrutura. Entre esses empreendimentos, dois ; as refinarias de Abreu e Lima, em Pernambuco, e a Repar, no Paraná ; representam investimentos de R$ 2,7 bilhões e já constavam na lista do TCU de obras irregulares de 2009, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a postura da Corte e vetou a paralisação dessas obras.
Com suspeita em quatro obras, o Espírito Santo é o estado campeão em irregularidades encontradas este ano: no aeroporto da capital, na restauração da BR-101 e em dois empreendimentos no Porto de Vitória. Já no Distrito Federal foi detectado risco de dano ao erário na construção da sede do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1; Região. Mesmo sem ser irrigada por recursos do PAC, a obra tem orçamento de quase R$ 480 milhões, mas só 8% do projeto inicial foi executado até agora.
Com a maior malha rodoviária do país, Minas Gerais é citado no relatório com indícios de prática de sobrepreço em contratos de restauração e de duplicação da BR-050, nas divisas com São Paulo e Goiás, e em obras na BR-265, nos entroncamentos de Ilícinea e São Sebastião do Paraíso feitas em terrenos sem desapropriação. Somente o último empreendimento é tocado com verbas do PAC. As reformas no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, orçadas em R$ 300 milhões, também estavam na lista do TCU por problemas de sobrepreço. Entretanto, como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) já reconheceu a falha, o edital da obra foi anulado sem que houvesse desvios de verba.
As constatações fazem parte do pente-fino realizado anualmente pelo tribunal. Cabe agora aos parlamentares decidirem se irão ou não acatar a recomendação, já que só 3% das obras suspeitas tiveram execução acima de 50% do orçamento destinado.
No entanto, independentemente do posicionamento do Congresso, o TCU já adiantou que vai punir os responsáveis pela má aplicação de recursos públicos.
Sobrepreço
Segundo o TCU, a irregularidade cometida com mais frequência é o sobrepreço. Nesse caso, é apresentado um orçamento acima do mercado, mas como não há empenho da verba, o prejuízo é evitado. Por outro lado, o relatório aponta práticas mais graves, como o superfaturamento e o direcionamento de licitação pública em benefício de alguma firma.
Sem mencionar exemplos, o ministro Benjamin Zymler, relator do processo no TCU, defendeu uma investigação minuciosa dos contratos pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF). ;Não há dúvidas de que a integração dos órgãos de controle é buscada pelo tribunal. A rede de controle criada pelo TCU permite exatamente isso, um intercâmbio de informações a fim de somarmos esforços na busca de um controle mais efetivo;, declarou.
Já o ministro José Jorge, durante a sessão que aprovou o relatório, empregou a ironia para rebater as recentes críticas de integrantes do governo. Na visão dos governistas, o tribunal atua com exagero quando solicita a interrupção de obras do Executivo. Para o ministro, as irregularidades encontradas são ;que nem carnaval, tem todo ano;. ;Ninguém gosta de ser fiscalizado;, alfinetou.
Pente-fino
No relatório em que o TCU apresentou o resultado da fiscalização em 231 obras federais, foram encontradas irregularidades em 32, sendo que 18 fazem parte do PAC e representam investimentos de R$ 29,7 bilhões.
Em alguns desses projetos, há problemas em mais de um contrato.
Saiba quais são as obras do PAC mencionadas no documento.
* Ampliação do sistema de esgoto da Ilha de São Luís, no Maranhão
* Manutenção da BR-116, no Ceará
* Ampliação da BR-317 entre o Acre e o Amazonas
* Construção do Canal do Sertão em Alagoas
* Construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, na Bahia
* Construção da Refinaria Abreu e Lima no Recife, em Pernambuco
* Construção das obras do berço de atracação no Porto de Vitória, no Espírito Santo
* Construção de casas no bairro Congós, em Macapá (AP)
* Ampliação da BR-265 em Minas Gerais
* Construção da Adutora Pirapama, em Pernambuco
* Dragagem e adequação da navegabilidade no Porto de Vitória (ES)
* Ferrovia Norte-Sul em Tocantins
* Implantação da Hidrelétrica do Rio Madeira, em Rondônia e em São Paulo
* Obras no aeroporto de Vitória (ES)
* Modernização da Refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná
* Reforma e ampliação do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo
* Sistema de esgotamento sanitário de Porto Velho (RO)
* Implantação do Sistema Adutor Proágua Nacional, no Rio Grande do Norte
Fonte: Tribunal de Contas da União (TCU)
Petista critica relatório
Líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP) sinalizou ontem como deve ser conduzida a análise pelo Congresso Nacional do relatório encaminhado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No entendimento do petista, mesmo que haja fortes indícios de irregularidades, as obras federais devem continuar nas unidades da Federação citadas pela corte. ;Sou contra paralisar obras por indícios de irregularidades sem elementos mais fortes que comprovem desvio de recursos;, defendeu Vaccarezza.
No ano passado, o Congresso Nacional chegou a decidir pelo embargo das obras de duas refinarias da Petrobras ; a Repar, no Paraná, e a Abreu e Lima, em Pernambuco. Entretanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a interrupção dos dois projetos, orçados em R$ 1,4 bilhão e R$ 1,3 bilhão, respectivamente, decisão que criou uma rusga entre o chefe do Executivo nacional e o órgão de controle interno. Um ano depois, o TCU voltou a recomendar aos parlamentares a paralisação das obras da Petrobras.
Vaccarezza reagiu à recomendação e, sem rodeios, criticou duramente a decisão do tribunal. ;Você corrige o ato, investiga e depois pune. Não cabe ao TCU definir prioridades do governo, mas apenas os ditames constitucionais;, disse. (EF)