O tema ganhou espaço na base governista exatamente pela redução da bancada de oposição ao governo no Senado, a partir do ano que vem. A última tentativa do Palácio do Planalto de prorrogar a cobrança do imposto, em 2007, foi derrotada exatamente por conta da pequena margem de apoio na Casa. O governo tinha 48 senadores, contra 33 oposicionistas. A partir de janeiro, a oposição perderá 11 parlamentares que migrarão para a base alinhada à presidente eleita, Dilma Rousseff. Com os números favoráveis, o assunto volta à agenda patrocinado pelos governadores eleitos e reeleitos em outubro ; e com a devida concordância dos parlamentares.
[FOTO2]Mesmo que Dilma tenha afirmado não pensar em um retorno da CPMF neste momento, parte dos senadores admite se movimentar no sentido de ressuscitar a cobrança. ;Isso (postura de Dilma) não impede que aqui dentro das casas do Congresso se tenha a iniciativa parlamentar restaurando a CPMF;, afirmou Sarney. Na oposição, a reação foi ampliada. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) chegou a classificar de ;escárnio; e ;escabrosa; a proposta. O líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), clamou a oposição para barrar a volta do imposto. O detalhe é que as reações, tanto de governistas, quanto de oposicionistas, demonstram uma mudança radical de opinião em relação à necessidade de criação de um imposto para a saúde ; a CPMF tinha arrecadação prevista de R$ 40 bilhões anuais.
Enquanto participavam do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), boa parte dos atuais parlamentares que se declaram contrários ao imposto
eram defensores do tributo. Dos que continuam ocupando mandatos eletivos desde 1996 ; ano em que a CPMF foi criada (veja memória) ;, pelo menos 21 passaram o criticar a cobrança que haviam ajudado a criar.
Para o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, João Almeida (BA), a mudança de postura tem como justificativa a mudança do quadro econômico do país. ;Comparar as realidades atual e de 1996 é descontextualizar a discussão. O fato é que a arrecadação cresceu de forma brutal nos últimos anos e a vinculação das receitas diminuiu. Dá para destinar mais recursos à saúde realocando a destinação de verbas;, defende. De acordo com parlamentares tucanos, o maior receio é de que o novo imposto não seja aplicado em saúde. Os próprios deputados e senadores admitem que, mesmo durante o governo FHC, a verba que era para entrar nos cofres da saúde foi destinada a outros setores.
Clamor
Entre os atuais governistas, a recusa à CPMF já havia rachado a bancada em 1996, quando ela era de oposição. Parlamentares que votaram contra o tributo, como os então deputado federal Fernando Ferro (PT-PE) e senador José Eduardo Dutra (PT-SE) se declararam favoráveis à criação da cobrança. A maioria dos petistas que hoje clama pela volta do imposto, no entanto, era radicalmente contrária a ele há 14 anos. ;Na época muita gente seguiu a orientação partidária, mas o fato é que admitimos hoje que é necessário criar alternativas para o financiamento da saúde, seja ou não um retorno da CPMF. A realidade é que com a área subfinanciada, o pessoal mais rico consegue pagar um plano de saúde por valores mais caros do que a contribuição para a CPMF, enquanto os pobres não têm para onde correr;, justifica Ferro.
Coerência é fato raro
Cargo diferente, posição diferente. Três candidatos a governador que venceram as eleições de outubro, todos ex-deputados federais, mudaram de opinião em relação à Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF). Jaques Wagner (PT) e Marcelo Déda(PT), que ganharam a reeleição na Bahia e em Sergipe, respectivamente, votaram contra a criação do tributo em 1996, quando ocupavam cadeira na Câmara. Agora, são a favor do retorno do imposto. Movimento em sentido contrário ocorreu com Marconi Perillo (PSDB), que votou a favor da CPMF e, hoje, não quer ver o tributo em vigor novamente.
Entre os governadores eleitos que integram a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que eram deputados federais em 1996, apenas Agnelo Queiroz (PT), vencedor da disputa para o comando do Distrito Federal, manteve a coerência. Votou a favor da CPMF e segue defendendo a volta do imposto. Conforme a assessoria do petista, Agnelo está alinhado ao posicionamento de outros governadores eleitos da base e, como médico, defendeu na campanha mais recursos para a saúde. A mudança de posição é fácil de ser explicada. Se aprovada, a CPMF significará mais recursos para os estados.
Já o governador de Goiás, Marconi Perillo, caminhou no sentido inverso. O tucano, que votou a favor da CPMF em 1996, agora é contra o imposto. A mudança no comportamento de Perillo, Déda e Wagner reflete outro ponto de vista. Em 1996, o país era governado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Petistas, portanto, votaram contra. O tucano, favoravelmente. Hoje, o país é comandado pelo presidente Lula, que fez Dilma Rousseff (PT) como sucessora e os apoios se inverteram. Os correligionários da presidente eleita querem a volta da CPMF e os tucanos, não.
A exceção entre os governadores eleitos ou reeleitos do PSDB, ao menos até o momento, é o sucessor de Aécio Neves em Minas Gerais, Antonio Anastasia. Na quinta-feira, o tucano afirmou ser a favor da criação de canais que resultem em mais recursos para a saúde, setor classificado pelo governador como ;de demanda infinita;. Anastasia frisou, no entanto, que o assunto deverá ser conduzido pelo governo federal, já que a matéria é de âmbito nacional.
Entre os governadores eleitos e reeleitos que ocupavam cadeira no Senado em 2006, quando a CPMF foi extinta pela Casa, parlamentares tanto da base de Lula como da oposição mantiveram o posicionamento em relação à CPMF. Renato Casagrande (PSB), que se elegeu governador do Espírito Santo, era a favor da permanência do tributo e, hoje, mantém a decisão. Já Rosalba Ciarlini (DEM) e Raimundo Colombo (DEM), que comandarão o Rio Grande do Norte e Santa Catarina, respectivamente, eram contra o imposto e não mudaram de posicionamento, embora Rosalba reconheça que a saúde tem um problema crônico de financiamento, em especial no Nordeste, onde mais de 90% da população depende exclusivamente do sistema público.
OS QUE ERAM CONTRA E HOJE SÃO A FAVOR
- Arlindo Chinaglia (PT-SP)
- Ana Júlia (PT-PA)
- Domingos Dutra (PT-MA)
- Eduardo Suplicy (PT-SP)
- Ênio Bacci (PDT-RS)
- Fernando Ferro (PT-PE)
- Humberto Costa (PT-PE)
- Jaques Wagner (PT-BA)
- João Paulo Cunha (PT-SP)
- José Eduardo Dutra (PT-SE)
- José Genoino (PT-SP)
- José Pimentel (PT-CE)
- Marcelo Déda (PT-SE)
- Marta Suplicy (PT-SP)
- Paulo Bernardo (PT-PR)
- Paulo Paim (PT-RS)
- Pedro Wilson (PT-GO)
OS QUE ERAM ENTUSIASTAS E HOJE CRITICAM
- Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP)
- Antônio Carlos
- Pannunzio (PSDB-SP)
- Arnaldo Madeira (PSDB-SP)
- Arthur Virgílio (PSDB-AM)
- Betinho Rosado (DEM-RN)
- Efraim Moraes (DEM-PB)
- Eliseu Resende (DEM-MG)
- Emanuel Fernandes (PSDB-SP)
- Fernando Gabeira (PV-RJ)
- Flávio Arns (PSDB-PR)
- Heráclito Fortes (DEM-PI)
- José Agripino (DEM-RN)
- José Aníbal (PSDB-SP)
- José Carlos Aleluia (DEM-BA)
- Marconi Perillo (PSDB-GO)
- Marisa Serrano (PSDB-MS)
- Nárcio Rodrigues (PSDB-MG)
- Paulo Bauer (PSDB-SC)
- Paulo Bornhausen (DEM-SC)
- Sérgio Guerra (PSDB-PE)
- Sílvio Lopes (PSDB-RJ)
MEMÓRIA
Na origem, provisório
A CPMF foi criada inicialmente em 1996, para substituir o Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (IPMF), que havia sido considerado inconstitucional. Para ultrapassar o problema jurídico, o Congresso Nacional primeiro aprovou uma emenda constitucional que inseria na Constituição uma brecha para a criação do tributo. Depois, os parlamentares aprovaram a regulamentação da CPMF.O imposto foi prorrogado por duas vezes, em 1999 e 2003. Na terceira tentativa de manter a cobrança, em dezembro de 2007, o governo federal acabou derrotado, no episódio que simbolizou o principal revés do presidente Lula no Congresso em suas duas gestões. Na maior parte do tempo, o tributo foi cobrado com a alíquota de 0,38%, que incidia sobre movimentações financeiras. (II)