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Agentes que torturaram Dilma estão na mira do Ministério Público

Quatro militares reformados são alvo de uma ação civil movida pelo Ministério Público Federal em São Paulo por crimes de homicídio e tortura praticados no período do regime militar no Brasil (1964-1985). Eles teriam, segundo o processo de responsabilidade pessoal, praticado "gravíssimas violações aos direitos humanos" quando atuavam na Operação Bandeirante, implementada em São Paulo pelo Comando do Exército, contra pelo menos 23 pessoas, entre elas a presidente eleita Dilma Rousseff - que participou da luta armada contra a ditadura. Em 74 páginas e 39 documentos anexados, a ação cobra a responsabilidade pessoal dos quatro denunciados, a cassação de suas aposentadorias, a proibição de atuarem em funções públicas, bem como o ressarcimento aos cofres públicos onerados com indenizações a vítimas e familiares.

Dos acusados, Homero Cesar Machado, Innocencio Fabricio de Mattos Beltrão e Maurício Lopes de Lima são reformados das Forças Armadas. João Thomaz é o único que segue na ativa, hoje na Polícia Militar de São Paulo. As provas, segundo o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert, foram colhidas de três fontes - o acervo do projeto Brasil Nunca Mais, que reúne vários depoimentos dados em juízo, no tribunal militar, por pessoas torturadas; relatórios oficiais produzidos pela Presidência da República; e ainda alguns depoimentos colhidos especialmente para a ação civil.

Segundo Weichert, a menção ao nome de Dilma Rousseff, que ficou presa por quase três anos, não tem relação com o resultado das eleições. "Pelo contrário, essa investigação estava finalizada pouco antes do primeiro turno, mas, para evitar qualquer conotação política, deixamos para protocolar o pedido só agora", explica o procurador.

Entre os 23 trechos de depoimentos reproduzidos ao longo da ação, o da presidente eleita é um dos menores. Ela afirmou, ao falar durante uma auditoria militar, em 1970, não reconhecer Maurício Lopes de Lima como uma testemunha, como ele havia sido apresentado na audiência, e sim como um dos torturadores da Operação Bandeirante. Dilma destacou ainda, durante o depoimento transcrito na atual ação, que dois subordinados do capitão Maurício a ameaçaram quando ela perguntou se eles estavam autorizados pelo Judiciário. Segundo Dilma, eles teriam respondido: "Você vai ver o que é o juiz lá na OB (Operação Bandeirante)".

Para Weichert, o relato de Dilma aparece reduzido no texto do processo porque o objetivo era apenas demonstrar que ela havia reconhecido o militar como um de seus algozes. "Como o fim era esse, não foi necessário pedir todo o acervo do depoimento", diz o procurador. A União e o estado de São Paulo também são citados como réus.

INTERPRETAÇÕES DIVERGENTES
A ação que cita Dilma Rousseff é a sexta tentativa do Ministério Publico Federal (MPF) de responsabilizar, civilmente, torturadores e homicidas que agiam em nome do Estado no período militar. De abril para cá, o Judiciário tem recorrido à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), do início deste ano, sobre a Lei da Anistia, para não aceitar ações dessa natureza ; o que, na avaliação do procurador regional da República Marlon Alberto Weichert, é um erro interpretativo.

;Entendemos que o Supremo anistiou agentes da repressão que praticaram crimes contra os dissidentes. Portanto, eles não podem ser processados na esfera criminal, mas na esfera civil, sim;, defende Weichert. Para Luís Fernando Vidal, presidente da entidade Juízes para a Democracia, a iniciativa do MPF é importante, do ponto de vista político, porque evidencia a vontade de uma parte da população de ver essas questões esclarecidas. ;O assunto não está encerrado;, afirma.

O desfecho das ações protocoladas pelo MPF podem sofrer uma reviravolta dependendo de como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), julgar o caso da Guerrilha do Araguaia. O episódio se refere às violações, na primeira metade dos anos 1970, praticadas pelas Forças Armadas no Pará. Pessoas foram assassinadas e corpos desapareceram.

;A partir do que decidir a Corte, podemos dar uma interpretação definitiva à decisão do STF. Do ponto de vista jurídico, não vejo motivo para o Brasil não reconhecer e não aplicar uma decisão do tribunal internacional do qual faz parte;, afirma Vidal. O ministro Nelson Jobim, entretanto, já manifestou publicamente a opinião de que o Brasil não é obrigado a seguir o que dita a Corte Interamericana.