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Politica

Erenice cai, mas Planalto ainda sangra

Decisão de Lula em demitir ministra é o início de uma operação para evitar que denúncias interfiram na campanha de Dilma a ponto de atrapalhar vitória em outubro

Depois de confirmar a demissão de Erenice Guerra do Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá agora de se debruçar sobre uma tarefa mais complicada: tentar estancar a crise antes de a avalanche de denúncias sobre o tráfico de influência na Casa Civil mudar o jogo eleitoral. A exoneração da titular do segundo posto mais importante do Executivo, e pessoa mais próxima da petista Dilma Rousseff no governo federal, provocou o corte mais profundo na campanha. Ao mesmo tempo, reabriu antigas feridas, como as das denúncias de corrupção envolvendo o ex-ministro José Dirceu e o assessor Waldomiro Diniz, que também tiveram como endereço o quarto andar da Presidência.

O bombardeio de denúncias de tráfico de influência praticado por familiares custou o emprego da ex-ministra ainda na quarta-feira. No fim do dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou Dilma ao Palácio da Alvorada para discutir a permanência de Erenice. Pesaram para análise sobre a sobrevivência dela no cargo os indícios fortes do lobby na Casa Civil, no Governo do Distrito Federal e em outras pastas da Esplanada, comandados por pessoas próximas à ex-assessora da presidenciável. No início da semana, a candidata petista já havia intercedido em favor da permanência de Erenice à frente do cargo.

Reunidos no Alvorada, Lula informou a Dilma sobre a decisão de demitir Erenice. Assessores da petista já a pressionavam para evitar defender a antiga auxiliar. Todos se mostravam apreensivos com as repercussões cada vez maiores do caso, a 17 dias das eleições. Às 8h de ontem, o ministro de Comunicação Social, Franklin Martins, e o chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, foram chamados por Erenice à residência oficial da Casa Civil. Ouviram relatos de esgotamento emocional e de decisão consumada de sair do cargo. O ato final de Erenice no governo acabou sendo a desastrosa nota divulgada na terça, onde ela chamou José Serra de ;aético; e ;derrotado; num documento timbrado.

A carta
Ao lado de Franklin, ela escreveu a carta de demissão, em que classifica as graves denúncias contra ela de tentativa ;sórdida; de desconstrução da imagem. Ainda atribui a ;paixões eleitorais; a série de acusações, classificada pela ex-ministra de ;vale-tudo;. O texto chegou às mãos de Lula no fim da manhã, ao lado de um relato de Erenice. Segundo assessores próximos do presidente, ele se limitou a escutar as explicações para o pedido de demissão.

Surpreendido com a velocidade com que as denúncias ganharam força, Lula sequer tinha um nome para substituir Erenice. A indefinição, que acaba por prolongar a sangria no Planalto, só será resolvida na semana que vem. Até lá, o presidente preferiu adotar o procedimento padrão e escalou o secretário executivo da pasta, Carlos Eduardo Esteves Lima. Atualmente, ele é o principal responsável por preparar o processo de transição de governo para o próximo presidente. Não está descartada a permanência de Esteves à frente da Casa Civil até o fim do mandato.

A preferida para assumir o ministério, contudo, é a gerente do Programa de Aceleração do Crescimento, Miriam Belchior. Ela já era a escolha de Lula para o cargo em abril, quando Dilma deixou o ministério. Como Dilma interveio em favor da ex-assessora, Erenice acabou sendo nomeada, mas teve os poderes no cargo reduzidos. Agora, com a saída de Erenice, o convite a Miriam volta a ganhar corpo.

Ex-mulher de Celso Daniel, o ex-prefeito de Santo André assassinado em 2002, Miriam precisará ser convencida a aceitar o posto, caso ele seja realmente oferecido. Ela acredita que uma possível nomeação, na reta final do governo Lula, pode trazer à tona as denúncias envolvendo suposto caixa 2 a partir de contratos de prestação de serviços da prefeitura de Santo André. Caso isso ocorra, Miriam avalia que estaria fora de uma possível administração de Dilma.

Suspeitas em verbas do PAC

Josie Jeronimo
Alana Rizzo

Uma cadeia de repasses de recursos iniciada com R$ 10,5 milhões, autorizada pelo Ministério das Cidades em 13 de dezembro de 2007 e finalizada em dezembro de 2008, coloca o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no centro das investigações de tráfico de influência. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a paralisação do Contrato de estudos para elaboração de planos diretores integrados de mobilidade urbana para áreas metropolitanas, custeado por recursos do PAC, por entender que o projeto não informava para onde iria o dinheiro. Após auditorias, R$ 8,4 milhões foram devolvidos aos cofres públicos e os gastos de R$ 2,1 milhões acabaram não sendo detalhados.

A autorização dos R$ 10,5 milhões dada pelo Ministério das Cidades coincide com o histórico de movimentação de José Euricélio Alves de Carvalho ; irmão de Erenice ; na pasta e na instituição destinatária dos recursos: a Fundação Universidade de Brasília (FUB). Célio, como é conhecido, atuou como assessor da Secretaria de Mobilidade Urbana de julho de 2006 a agosto de 2007. Em setembro do mesmo ano, o irmão de Erenice já estava na Agência de Desenvolvimento Institucional da UnB, como coordenador de projetos. Cinco meses após a chegada dele na instituição, a FUB foi contemplada com as verbas do PAC.

Depois que órgãos de fiscalização detectaram irregularidades no repasse, a UnB abriu processo para apurar a destinação dos recursos. Apesar do bloqueio de repasses determinado pelo tribunal, R$ 2,1 milhões foram pagos, segundo a nota de empenho n; 912.128, de 22 de fevereiro de 2008. Segundo o TCU, o projeto não especificava os serviços que seriam prestados.

Ainda assim, o Ministério das Cidades encaminhou à reitoria da UnB um atestado informando que o projeto estava de acordo com os critérios do governo federal. A Fubra, agora sob a denominação Fundação de Gestão e Inovação, informou ao Correio que, após o episódio dos acordos auditados, implantou mecanismos de ;transparência dos recursos públicos transferidos na esfera federal que culminam em contratos sem licitação; para que órgãos como o Ministério Público tenham acesso ao que chegam de fato ao caixa da entidade. A fundação afirma não ter ficado com o dinheiro.

O Ministério das Cidades alega que os R$ 2,1 milhões foram usados para pagamento de funcionários, diárias e contribuições sindicais. O restante foi devolvido à conta do tesouro em 22 de dezembro de 2008, depois que a FUB não cumpriu os prazos previstos.