O Ministério Público do Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou ontem casos
concretos que pretende analisar dentro do processo de investigação que a Corte deverá fazer
sobre a legalidade das indenizações e pensões pagas a políticos cassados durante o regime
militar. O procurador Marinus Marsico já solicitou à Comissão de Anistia cópias dos processos
que envolvem o capitão e guerrilheiro Carlos Lamarca e os jornalistas Ziraldo e Jaguar,
integrantes da equipe do jornal O Pasquim.
Em abril de 2008, a Comissão de Anistia
aprovou o pagamento de prestações mensais e permanentes no valor de R$ 4,3 mil aos dois
cartunistas, utilizando como referência o dobro do piso salarial da categoria de jornalista em
São Paulo acrescido de 25%. A cada um deles também foi concedido o pagamento retroativo de R$ 1
milhão. O procurador entende que está devidamente comprovada a perseguição política sofrida pela
dupla, mas acrescenta que ;não se encontram elementos suficientes que indiquem estar correta a
indenização;.
A Comissão de Anistia declarou a condição de ;anistiado político post
mortem; para Lamarca. Ele foi promovido ao posto de coronel, e foi concedida a sua viúva, Maria
Pavan Lamarca, pensão igual à remuneração de general de Brigada. Segundo o procurador Marsico, a
decisão baseou-se em erro administrativo do Ministério do Exército, que estava pagando à
beneficiária remuneração equivalente à de coronel, quando o correto seria à de capitão. ;Além
disso, a prestação concedida na prática não corresponde à de general de Brigada, pois é isenta
de descontos. Sendo assim, em valores líquidos, é superior à de general de Exército;, argumenta
Marsico. A remuneração mensal é de R$ 11,4 mil, enquanto o pagamento retroativo ficou em R$ 902
mil.
Ouça entrevista com Ziraldo sobre pensões para anistiados
políticos
Justiça
Ziraldo afirmou ontem ao
Correio que considera justo que haja uma indenização pelas perseguições ocorridas, mas fez uma
ponderação: ;Os critérios para determinar quanto cada um vai receber é que são discutíveis.
Esses R$ 4 mil foram arbitrários, porque nunca tivemos salário. Éramos donos do nosso jornal. Eu
nunca fui despedido de redação nenhuma na minha vida;. Ele relata como teriam sido definidos os
valores: ;O que você era na época? Chefe de redação. Quanto ganhava um chefe de redação? Ganhava
R$ 18 mil. Então, você vai ganhar R$ 18 mil. Mas quem garante que o cara permaneceria na chefia
de redação?;.
O cartunista também ressalta que não pediu nada disso. ;Foi uma
determinação arbitrária da Comissão de Anistia, porque a gente não tinha salário. Mas há várias
coisas que a gente precisa esclarecer. Primeiro: essa indenização nem eu nem o Jaguar
requeremos. Quem listou o nosso nome para receber a indenização foi o Departamento Jurídico do
Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, com a aprovação do Barbosa Lima Sobrinho, da ABI
(Associação Brasileira de Imprensa). O presidente do sindicato era filho do Nelson Rodrigues. Na
lista, ele incluiu ele e as irmãs dele e desmoralizou completamente a entrada desse
requerimento.; Ziraldo acrescentou que até hoje não recebeu o valor retroativo, mas já ganha a
pensão de R$ 4,3 mil.
O cartunista argumenta, porém, que sofreu prejuízos financeiros
em função da perseguição política. ;Fecharam as nossas publicações, O Pasquim, Cartum JS e O
Centavo. Então, eles inventaram esses R$ 4 mil. Agora, o prejuízo da turma do Pasquim é
indiscutível. Foram apreensões, prisões e 18 processos. Sobrevivemos porque éramos bom de
serviço. Mas é muito difícil determinar quanto vale a nossa
indenização.;
Três perguntas para Ziraldo
O procurador do TCU
coloca em dúvida o valor de algumas indenizações, entre elas a sua;
São 12.550
indenizações. A minha e a do Jaguar são menores do que média, que é de R$ 6,2 mil. Quem listou o
nosso nome para receber a indenização foi o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. Aí, 19
anos depois, a gente é informado: ;O seu processo vai ser julgado;. Eu pensei que fosse ser
preso. Agora, por que esse promotor cismou comigo? Tem vários anistiados da minha geração que
recebem mais de R$ 20 mil por mês.
Você tem recebido esse
valor?
Sim, mas pago a Previdência Social pelo máximo há 60 anos. Sabe quanto
é a minha aposentadoria? R$ 1,3 mil. Então, eu estou ganhando R$ 5,3 mil, o que me parece justo.
Um funcionário do Senado aposentado ganha R$ 18 mil de INPS. Quando saiu essa indenização, só
faltaram me xingar. Eu vivo do meu trabalho, não preciso desse dinheiro, não. Todo o dia eu
tenho que ganhar o meu dinheiro.
Analisando do ponto de vista político, o
senhor acha justo esse pagamento?
Para quem foi prejudicado pelo golpe de
Estado, acho, sim. Muita gente perdeu o emprego e foi perseguida. Agora, os critérios para
determinar quanto cada um recebe é que são discutíveis. Eu não estou indignado, mas é chato. A
internet expõe muito você. Muitas pessoas não sabem o que está acontecendo. Nós, que trabalhamos
a vida inteira, temos que ouvir: ;Devolve o dinheiro, seu ladrão!’ Pô, devolver que
dinheiro?