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Marina mostra que não rompeu radicalmente os laços com o PT

No início de seu voo solo em busca da Presidência da República, a candidata do PV, Marina Silva, ainda reluta em cortar os laços com a antiga legenda, o Partido dos Trabalhadores. Durante a convenção verde que lançou a ex-ministra do Meio Ambiente ao Palácio do Planalto, Marina colocou o desenvolvimento sustentável e a educação no topo das prioridades, e se definiu como uma ;mantenedora de utopias;. Elogiou os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, mas reservou o tom mais emotivo para a lembrança aos antigos companheiros de partido, especialmente os irmãos petistas Jorge e Tião Viana, candidatos ao Senado e ao governo do Acre, respectivamente . ;Estamos separados momentaneamente. Nos encontraremos no segundo turno;, indicou a candidata.

A convenção do PV que confirmou a candidatura de Marina Silva reuniu cerca de mil militantes, ontem, no Centro de Convenções Brasil 21. Os laços ainda latentes com os petistas ficaram evidentes na fala sobre os irmãos Viana e no descontentamento da candidata, quando o palhaço Rodrigo Lopes subiu ao palco e fez críticas a Lula. O deputado federal Zequinha Sarney (PV-MA) também ficou constrangido com críticas ao pai, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O evento marcou o início da estratégia de marketing que norteará a campanha. Cartazes espalhados com fotos de Marina e do vice, o empresário Guilherme Leal, indicavam a tendência de não aumentar o tom das críticas contra os concorrentes.

O mote para atrair os eleitores inclui slogans como ;Juntos pelo Brasil que queremos; e ;Manter os acertos sem repetir os erros;. A estratégia incluiu até a criação do verbo ;Marinar;, em referência ao nome da candidata. O jingle tocado durante o evento, com forte presença de instrumentos de percussão e musicalidade regional, destaca a faceta de mulher vencedora, de origem humilde (veja perfil). Durante o discurso de quase uma hora, Marina fez questão de elogiar a estabilidade econômica promovida por FHC e a redistribuição de renda realizada por Lula.

À margem
O document-base do futuro programa de governo passou ao largo de críticas severas aos dois últimos presidentes. Há apenas uma menção sobre o episódio do Mensalão e os escândalos em torno da aprovação da emenda que estabeleceu a reeleição no país. A proximidade com os antigos companheiros de partido, contudo, fez com que Marina citasse Lula, mais de uma vez, como o operário que chegou ao Planalto e trouxe conquistas sociais. Apontada como peso da balança na disputa entre José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), a candidata afirmou que pretende embaralhar o embate. ;Não há veredicto na eleição. Ele será revogado pelo povo brasileiro;, desafiou. Durante a convenção, militantes do PV aprovaram uma moção de repúdio à proposta de reforma do Código Florestal que tramita na Câmara.

Ouça trecho da entrevista com Guilherme Leal, vice de Marina Silva, na convenção do PV



Ouça trecho de discurso da candidata à presidência Marina Silva na convenção do PV


Ansiedade

Na véspera da convenção, Marina fez questão de se reunir com a coordenação de campanha no Brasil 21 e ficou debruçada sobre o discurso até as 4h da manhã. Enquanto a família ficou no apartamento da senadora, ela preferiu se isolar com a filha Moara em um hotel próximo ao local do encontro.

Na linha de frente
Considerado o ponto delicado da campanha de Marina, o aborto e a união homoafetiva não foram abordados pela candidata. Coube ao ex-coordenador de campanha, Alfredo Sirkis, levantar o debate. Ele disse que Marina era contra o casamento porque, evangélica, entende que a palavra tem sentido religioso, mas que apoia a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Sobre a interrupção da gravidez, Sirkis disse que a senadora pretende eliminar a repressão contra quem pratica o aborto, embora seja contra a prática.

A grande família
Marina Silva levou um exército familiar à convenção. Irmãos, sogros, sobrinhos, marido e os quatro filhos. ;Família de nordestino não para de crescer, é pior que preá;, brincou.

Aprendiz de político
Candidato à vice na chapa de Marina, o empresário Guilherme Leal ainda patina para vestir o figurino de político. Por diversas vezes durante o discurso, perdeu o fio da meada e tinha dificuldades em utilizar o teleprompter. ;Não consigo me entender com esse negócio;, afirmou.

A homenagem
O tom informal teve força extra durante o evento. Além da invasão de um palhaço ao palco, Marina foi surpreendida por um vídeo feito por apoiadores infantis. As crianças levaram cata-ventos e reforçaram o pedido para que ela se candidatasse.


Perfil - Marina Silva
Da fragilidade, a fortaleza


Flávia Foreque

Em abril deste ano, um pequeno mimo de uma simpatizante quase encurtou a maratona de compromissos agendados para a passagem de Marina Silva por Minas Gerais. O roteiro, de dois dias, previa encontro com correligionários, lançamento da pré-candidatura verde ao governo mineiro, reunião com evangélicos e até palestra em faculdade. Entre um evento e outro, a candidata do partido verde às eleições presidenciais recebeu das mãos de uma eleitora mineira um buquê de flores e teve um princípio de ataque alérgico. O presente integra uma longa lista de produtos e alimentos evitados por Marina ; e por isso, em pouco tempo as flores foram parar nas mãos de um assessor da candidata. O roteiro de eventos em Belo Horizonte estava a salvo.

Devido à contaminação do sangue por metais pesados, ainda na infância, a senadora não pode ter acesso a uma extensa variedade de substâncias. A lista parece tão numerosa quanto os desafios que Marina enfrentará nas eleições de outubro. Neófita no Partido Verde, ela deixou para trás quase 30 anos de militância no PT para lançar seu nome na disputa presidencial e reforçar a defesa do desenvolvimento sustentável.

A bandeira ambiental permeia toda a trajetória da candidata, filha de retirantes nordestinos que mudaram para o Acre na esperança de melhores condições de vida. Segunda filha mais velha de um casamento de 11 filhos ; três irmãos morreram ainda na infância ;, Marina nasceu no seringal Bagaço, em fevereiro de 1958, a 70km da capital Rio Branco. Alfabetizada aos 16 anos, trocou o sonho de ser freira pela vontade de alongar os estudos. Ingressou na faculdade de história da Universidade Federal do Acre e passou a ter contato com o movimento sindical e com grupos semiclandestinos. Foi quando conheceu Chico Mendes e decidiu entrar de fato na política.

A trajetória da acreana inclui mandatos como vereadora de Rio Branco e deputada estadual. Senadora por dois mandatos consecutivos, foi ministra do Meio Ambiente do governo Lula entre 2003 e 2008. Em Brasília, na rotina de debates, votações e discursos em comissões temáticas e no plenário da Casa, aproximou-se dos senadores Eduardo Suplicy (PT-SP)e Pedro Simon (PMDB-RS), além do conterrâneo Tião Viana (PT).

;O ano de 2001 foi um ano de dificuldades pessoais pra mim. Foi o ano em que eu havia me separado (da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy) e duas pessoas foram como anjos da guarda: tanto a Heloisa Helena (então senadora pelo PSol) como a Marina Silva;, recorda Suplicy. O petista conta que a senadora, sensibilizada com o divórcio do amigo, o chamou para uma longa conversa em seu gabinete e chegou a apresentá-lo a um pastor amigo dela. ;Ela sugeriu que fizéssemos uma oração na igreja dela. Eu a acompanhei e ela foi uma pessoa muito próxima, de grande compreensão naquele momento;, lembra o senador. De formação católica, Marina tornou-se evangélica em 1997 e hoje tem o mais alto cargo na hierarquia da Assembleia de Deus para as mulheres.

A Bíblia, aliás, é companheira constante e inspiração recorrente. Em fevereiro, quando assumiu a tribuna do Senado para comentar a crise política que atingiu o ex-governador do DF José Roberto Arruda, citou Salomão e o livro de Eclesiastes. Na fala, ainda emendou citações de Shakespeare e trechos de A República, de Platão.

Marina ainda recorre à proteção divina para superar os sobressaltos em viagens de avião. A deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC) conta que a senadora se agarra ao livro nos momentos mais turbulentos de viagem. ;Quando o tempo está ruim ela só falta engolir a Bíblia;, conta a deputada, que já fez diversas vezes a ponte aérea Rio Branco;Brasília na companhia de Marina, chamada carinhosamente por ela de ;neguinha;. No interior do estado, o uso de aviões de pequeno porte é frequente ; apenas uma cidade do Acre, além da capital, é escala para aviões de carreira.

Desde o lançamento de seu nome ao Planalto, Marina aumentou consideravelmente a rotina de viagens aéreas ; já viajou para pouco mais de 20 cidades. O maior tempo de voo também aumentou a quantidade de sobressaltos. No último fim de semana, o avião fretado pelo PV, ao retornar de agenda em Guaratinguetá (SP), teve dificuldades para pousar no aeroporto de Congonhas. ;O piloto ficou inseguro em relação ao freio e não quis usar o de emergência. Preferiu arremeter e pousar em Guarulhos;, conta João Paulo Capobianco, coordenador da campanha de Marina, que também estava no avião.

Em seu segundo casamento, Marina mantém a família distante dos holofotes. Mãe de quatro filhos, vem se desdobrando para acompanhar a rotina deles em meio à agenda apertada. No último mês, quando foi a Campinas participar da pré-convenção do PV no estado, aproveitou para ficar com a caçula, Mayara, 19 anos, que estuda no interior paulista. No fim do dia, dispensou o hotel e seguiu para o apartamento da filha.

Ainda que tenha dificuldade em encontrar produtos de beleza que não provoquem alergia, Marina mantém a vaidade. O coque rígido, por exemplo, foi adotado para disfarçar cabelos grisalhos, mais frequentes nos últimos anos. Sem condições de recorrer a tinturas, passou a juntar os cachos no novo penteado.