A Polícia Legislativa do Senado encontrou indícios de fraude na assinatura da folha de ponto em nome de Kelriany Nascimento da Silva, 32 anos, estudante que denunciou com a irmã Kelly Janaína Nascimento da Silva, 28 anos, o suposto esquema de recrutamento de funcionários fantasmas por servidores do senador Efraim Morais (DEM-PB). Kelly é lotada no gabinete de Efraim e tem regime especial de frequência, mas Kelriany, paga como funcionária do Serviço Central de Atendimento ao Usuário, tem a obrigação de bater ponto. Como a estudante não teve descontos no salário apesar de não comparecer no Senado, a Polícia Legislativa foi atrás da folha de ponto para descobrir quem atestava as faltas da funcionária fantasma. Em vez de encontrar ponto abonado por outro funcionário do gabinete de Efraim, os investigadores receberam folha preenchida a mão com o nome de Kelriany.
Os indícios da fraude apareceram na hora de comparar a assinatura da folha de ponto com a letra da estudante registrada em outros documentos. Os traços são diferentes, mas para comprovar que a assinatura foi forjada será preciso submeter o documento a um perito grafotécnico.
Outro documento, um e-mail enviado pela diretoria-geral do Senado ao gabinete de Efraim, revela que a falta de controle de frequência já chamava a atenção antes da divulgação do escândalo. Uma funcionária da diretoria-geral do Senado ligou para o gabinete e encaminhou e-mail para a servidora comissionada Rosemary Ferreira Alves de Matos dando prazo para que a frequência de Kelriany fosse atestada. ;Conforme contato telefônico anterior, envio em anexo as folhas de ponto da servidora Kelriany Nascimento da Silva referentes aos meses de novembro de 2009 e dezembro de 2009. Por gentilieza, solicito que ela assine essas folhas e as remeta até o dia 18 de março de 2010`, traz o texto do email enviado em 16 de março, às 18h.
Além de resolver problema de ponto da funcionária que não aparecia para trabalhar, Rosemary foi apontada pelo contínuo Gilberto Rocha da Mota, como revelou ontem o Correio, como a pessoa que sempre pedia que ele atuasse como procurador nas nomeações de comissionados que não apareciam pessoalmente para tomar posse. Depois da afirmação do contínuo, Rosemary prestou depoimento à polícia do Senado. A assessoria do gabinete do senador não soube explicar quem dava ordens para que Rosemary cuidasse da nomeação dos comissionados.
Adiamento
Ontem, advogados de Mônica da Conceição Bicalho e Kátia da Conceição Bicalho, irmãs investigadas por participação no suposto esquema de recrutamento de funcionários fantasmas no gabinete de Efraim, pediram o adiamento do depoimento que prestariam à Polícia do Senado. Os advogados alegaram que não tiveram tempo de ler o inquérito, fornecido na noite de quarta-feira. Mônica é servidora comissionada do gabinete do senador e está com os vencimentos suspensos, a exemplo de Kelly e Kelriany, até a conclusão da sindicância que apura a fraude. Mônica teria recrutado Kelly e Kelriany com ajuda da irmã Kátia, que tem procuração para movimentar a conta-corrente onde eram depositados os salários das funcionárias fantasmas.
Kátia também trabalhava no Senado, como terceirizada da empresa Plansul. O gerente regional da empresa em Brasília, Paulo Machado, informou que no último dia 19, um dia depois de o escândalo ser denunciado, ;um diretor do gabinete onde ela trabalhava; no Senado ligou para a empresa ;devolvendo; Kátia. ;A gente foi pego de surpresa também. O diretor de onde ela trabalhava mandou ela de volta para Plansul. Aí ela apareceu dizendo que não estava sendo devolvida, que queria se desligar da empresa. Mas até hoje não apareceu para assinar a rescisão, sumiu.; Kelriany, que teria sido recém-admitida pela Plansul, também foi demitida, depois de a empresa descobrir que a estudante ainda estava na lista de funcionários do Senado e que sua exoneração não seria aceita antes da conclusão das investigações.
Redução criticada
O presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, Luiz Salvador, avalia que a redução de salário de secretários parlamentares fere a Constituição Federal, apesar de os empregados sem vínculo não estarem protegidos por leis trabalhistas formais. Especialistas afirmam que, se os secretários de gabinetes que tiveram os salários reduzidos comprovarem que exercem a mesma atividade depois de ter o vencimento diminuído, podem recorrer à Justiça para pedir equivalência salarial. Reportagem publicada ontem no Correio mostrou que deputados têm usado o artifício da diminuição de salário para contratar mais secretários parlamentares.
De acordo com Salvador, que também preside a Associação Latinoamericana de Advogados Trabalhistas, o trabalhador só aceita ter o salário reduzido porque é coagido. ;A rigor, a Constituição proíbe redução salarial. O que ocorre é que negocia com a parte, a parte tem medo, aceita a redução e continua trabalhando normalmente, ocorre a redução, mas não está dentro da Constituição. A Constituição protege o primado do trabalho digno de qualidade. Não importa o regime.;
Os parlamentares são cautelosos ao comentar o tratamento trabalhista dispensado aos comissionados. O corregedor da Câmara, deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), tachou de ;estranho; o episódio envolvendo o deputado Raymundo Veloso (PMDB-BA), que reduziu salário de seus funcionários para contratar uma ;coordenadora de campanha;. O primeiro-secretário da Casa, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), também critica a redução de salário, mas afirma que os parlamentares são responsáveis pelo gerenciamento da verba de gabinete. ;Redução de salário é uma coisa estranha;, completa. (JJ)