Jornal Correio Braziliense

Politica

Hemofílico conta dificuldades no tratamento de saúde

Muitas vezes o atendimento é feito em centros distantes de onde moram as pessoas que necessitam dele

Geremias da Silva Cavalcanti, de 28 anos, começou a sentir os efeitos da doença aos 20 dias de nascido. A princípio eram hematomas, manchas que apareciam na pele. Com o tempo, vieram os sangramentos nas articulações e nos membros inferiores. ;Sangrava do nada, até dormindo;, lembra. Não havia como fazer o diagnóstico daquela estranha doença em Brasiléia (AC). Somente aos 18 anos, com as articulações dos joelhos e tornozelos já comprometidas, ele descobriu em Brasília que tinha hemofilia. Hoje, recebe um tratamento regular (profilaxia secundária), que visa interromper o ciclo de sangramento. São três doses por semana.

Com a fisioterapia, já está recuperando a força nos membros inferiores. Já pensa em fazer faculdade de Economia. Mas, em alguns períodos, precisa recorrer à Justiça para ter acesso ao medicamento. Nos estados brasileiros, o quadro é bem mais grave. Em Brasília, os hemofílicos contam com o apoio da Ajude-c, uma ONG que busca um tratamento mais qualificado, incentiva a pesquisa e, quando necessário, recorre à Justiça.

O tratamento das coagulopatias pode ocorrer sob demanda, após o início da hemorragia, ou de forma preventiva. Na profilaxia primária, é realizado um tratamento regular, iniciado nos primeiros anos de vida do paciente, para prevenir sangramentos. Na profilaxia secundária, o tratamento também é regular, para interromper o ciclo de sangramento. Segundo registra a auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a profilaxia primária em hemofilia ainda não é realizada como política pública no Brasil. O principal motivo é que o tratamento é bastante dispendioso. Eleva em três vezes o consumo de fator em comparação com o tratamento de demanda.

O custo do procedimento de Geremias, por exemplo, fica em cerca R$ 12 mil por mês. Outro problema é que o tratamento da hemofilia tem sido realizado em centros especializados, normalmente distantes da residência do paciente. É necessária a locomoção do hemofílico até o centro de tratamento para o início da terapia, enquanto a hemorragia prossegue e amplia seus danos.

Apenas em 1999 foi criado o programa de Dose Domiciliar de Urgência (DDU), com a entrega dos concentrados de fatores 8 e 9 para os pacientes. Em 2006, a dose aumentou de uma para três por paciente. A auditoria do tribunal concluiu que, ;com um programa de dose domiciliar irregular e sem profilaxia primária, o país está ainda muito longe do tratamento conferido por países desenvolvidos;.

Nos países desenvolvidos, a quantidade de fator 8 consumida por habitante, em 2007, era nove vezes a quantia usada no Brasil. O TCU apontou um nível de atendimento muito baixo e a falta de regularidade na distribuição. ;O Estado não está cumprindo seu dever de garantir o acesso aos hemoderivados para pacientes portadores de coagulopatias, mas são possíveis melhoras significativas, com medidas que podem ser adotadas pelos gestores;.

Na Justiça
Em Brasília, a coordenadora do Grupo de Paz da Ajude-c, Roberta Lucena, reconhece que o atendimento melhorou muito nos últimos 10 anos. Mas ela afirma que houve desabastecimento grave em 2008 e de menor grau em 2009. ;Há um mês, ficamos 20 dias sem nada. Tivemos qua acionar a Justiça;, comenta. Quando isso ocorre, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal faz as compras emergenciais, sempre a preços bem mais elevados do que nas compras regulares.

O TCU investigou a fundo a crise de abastecimento de 2008 no DF e nos estados. Apurou que houve uma suspensão de 54% de cirurgias eletivas. Chegou a 50% o número de casos de pacientes que deixaram de receber tratamento com hemoderivados ou foram orientados para retornar em outra data, para que não faltassem para outros mais graves. Cerca de 42% dos pacientes receberam dosagem inferior à recomendada para seu tratamento. Também foi investigado se o tratamento por dose domiciliar foi prejudicado pela crise. Foi informado por 63% dos hemocentros que houve períodos do ano em que o tratamento foi suspenso.

O impacto

50%
percentual de casos de pacientes que deixaram de receber tratamento com hemoderivados ou foram orientados para retornar em outra data

33%
dos hemocentros classificaram como adequado o abastecimento pelo Ministério da Saúde

63%
dos centros informaram que a situação estava melhor do que em 2008, porém ainda abaixo do necessário

Assista entrevista com portadores de hemofilia sobre problema de desabastecimento de medicamentos