Os políticos com o nome sujo no Judiciário que pretendem tentar uma vaga nas eleições gerais de outubro devem colocar as barbas de molho antes de pedir o voto dos 133,2 milhões de eleitores brasileiros. Com ou sem a aprovação do projeto de lei de autoria popular que barra a participação dessas pessoas no pleito, o chamado Ficha Limpa, o eleitorado terá ao alcance das mãos uma rede ampla e detalhada de informações sobre a vida pregressa do interessado. O arsenal para municiar a escolha nas urnas de representantes para a Presidência, o Congresso Nacional e as assembleias legislativas vem de uma série de entidades governamentais e da sociedade civil e promete ganhar o meio virtual e as ruas para fazer valer, na prática, os efeitos da norma até então negada pelos atuais parlamentares.
O suporte para conhecer o passado dos candidatos virá, inicialmente, da própria Justiça Eleitoral, que este ano endureceu o jogo, pelo menos na prestação de informações pelos postulantes aos cargos eletivos. Em vez da certidão criminal simples que era apresentada na hora de registrar a candidatura, da qual constava apenas se a pessoa tinha condenações em última instância, será preciso um documento completo, a certidão de inteiro teor ou de objeto e pé. Nela são mencionados todos os processos existentes contra o cidadão, inclusive com a fase da tramitação de cada um. Tudo que chegar ao Judiciário entra nesta lista, de denúncias oferecidas pelo Ministério Público a condenações e recursos em qualquer instância. Todo esse retrato da vida do candidato ficará disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (www.tse.jus.br) e nos tribunais regionais.
Entidades ligadas ao Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, a Associação dos Magistrados e a Ordem dos Advogados do Brasil se encarregarão de multiplicar o acesso aos dados e divulgá-los ao eleitor. A CNBB estuda a possibilidade de fazer um site para divulgação dos candidatos Ficha Limpa, chancelando aqueles candidatos que não tiverem problemas judiciais. A forma, segundo o secretário executivo adjunto da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB, Daniel Seidel, depende ainda de um estudo jurídico da situação. ;Seria uma espécie de credencial social. Independentemente da aprovação do projeto de lei, queremos efetivá-la porque a gente acredita que o Ficha Limpa tenha ganhado o imaginário dos eleitores. O TSE aprovou uma resolução que permite mais transparência e vamos dar maior publicidade a isso;, disse.
A CNBB vai estruturar seus comitês regionais e apelar para as 43 entidades nacionalmente constituídas que participam do movimento para multiplicar as informações sobre aqueles que tenham problemas judiciais. Além de ampliar acessos e links sobre a vida pregressa dos candidatos a partir das informações disponibilizadas pelo TSE, o grupo pretende fazer murais públicos em todos os estados que tiverem atuação desses comitês.
Cartilha
A Igreja, uma das principais forças no movimento de combate à corrupção eleitoral, vai usar do seu poder com os milhares de católicos do país. As informações sobre os fichas sujas estarão em murais das igrejas e o discurso contra o voto em candidatos com problemas judiciais vai se ampliar durante as missas. A CNBB também está concluindo uma cartilha com 20 orientações práticas para que o eleitor decida seu voto consciente. O documento será lançado durante a Assembleia Nacional dos Bispos do Brasil, que começa na próxima segunda-feira, em Brasília, e termina em 13 de maio. Inicialmente serão 10 mil exemplares.
;Depois, muitos lugares transformam esses roteiros fazendo uma espécie de tradução, pois o material nacional não atende às linguagens do regionalismo. O que a gente estimula é que seja adotada uma versão mais popular;, adianta Daniel Seidel. A política da ficha limpa para os candidatos é uma das principais orientações. ;Nossa ideia é concretizar isso usando os murais das igrejas, dando praticidade a essa informação;, disse. Em junho, o grupo lança a campanha de combate à corrupção deste ano.
PROJETO NA CCJ
; Às vésperas de votar a versão reformada do projeto Ficha Limpa, a Câmara já ensaia alternativa para mandar a proposta direto para o plenário mesmo sem a aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O texto final que será apresentado hoje pelo relator José Eduardo Cardozo (PT-SP) ainda recebeu retoques na noite de ontem, após encontro do petista com integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A entidade pressiona para que algumas regras que os parlamentares pretendem flexibilizar, como a que abre possibilidade de efeito suspensivo para o registro de candidatos julgados em segunda instância, não estejam no texto de Cardozo. De acordo com o presidente da CCJ, deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), insiste para que a proposta seja levada a plenário na próxima semana e deu duas alternativas: formar consenso e votar o texto de Cardozo hoje na CCJ ou enviar a proposta para ser emendada e votada diretamente em plenário.
O filtro do eleitor
O coordenador do Centro de Apoio Eleitoral da Procuradoria Eleitoral de Justiça de Minas Gerais, Edson Resende, aconselha os eleitores a se informarem sobre os candidatos para evitar que pessoas com problemas judiciais sejam mandatários de cargos públicos. Segundo ele, a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que ampliou a certidão criminal a ser fornecida pelos candidatos vai ajudar na depuração por parte do eleitorado. ;Agora é a informação completa, sobre tudo que estiver no Judiciário, que o cidadão vai poder examinar e saber se o candidato tem antecedentes ou não para decidir o voto;, disse.
Para o promotor, o passado do candidato pode dizer muito sobre sua atuação futura, mas depende do eleitor fazer esse filtro nas urnas. ;O ideal é que tenhamos um eleitorado consciente um dia, que vá investigar realmente a vida dos candidatos e levar tudo isso em consideração. Você vai encontrar, por exemplo, processos que demonstrem quem desviou dinheiro público quando exerceu outra função, quem praticou furto ou falsificação. E acho que é um sinal inequívoco de que essas pessoas não estão preparadas para exercer a função pública;, disse.
Sobre os políticos que tentam a reeleição, os eleitores já podem ir se informando desde já. Os dados com processos e pendências judiciais estão no site Excelências (www.excelencias.org.br), mantido pela ONG Transparência Brasil. Nele, o interessado pode ver não só quem foi citado nos tribunais de Justiça e de Contas, mas as variações patrimoniais, o uso de verba indenizatória e as viagens feitas com o dinheiro do contribuinte.
O responsável pela ONG Transparência Brasil, professor Cláudio Abramo, afirmou que não vai disponibilizar os dados dos que ainda não têm mandatos eletivos. ;Os dados daqueles que estão no exercício estão em nosso projeto. Entrando lá, a pessoa pode encontrar informações variadas a respeito da vida pregressa. Os demais é impossível colocarmos pois serão dezenas de milhares. O TSE vai publicar;, disse. Abramo atribui responsabilidade pela publicação das informações também à imprensa, que ajuda a levar os dados àqueles que não estão na rede.
Os eleitores ganham poderes também, com o apoio de entidades e movimentos sociais, na fiscalização das infrações e crimes eleitorais. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e a Ordem dos Advogados do Brasil estão de olho nos crimes de compra de votos e abuso de poder econômico nas eleições, entre outros. A OAB nacional pretende ampliar nos estados uma iniciativa vinda do Paraná, que trouxe a população para o debate por meio de caravanas e meios para se fazer ouvir pelo Ministério Público Eleitoral, que age em casos de irregularidades. Este ano, o mote da campanha será a mobilização pela reforma política, pela qual se pode ter a participação popular no financiamento de campanha. (JC)