; Alana Rizzo
; Diego Abreu
; Josie Jeronimo
Especial para o Correio
A ação que questiona a Lei da Anistia em vigor no Brasil desde 1979 pode tumultuar os últimos meses de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trazendo de volta à cena as divergências entre alguns ministros. A análise pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) dos quatro volumes do processo está marcada para a próxima quarta-feira. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n;153, questiona a concessão da anistia para todos os crimes, inclusive a tortura, no período da ditadura militar. O julgamento terá um valor histórico, pois pode reabrir, após mais de 30 anos, o debate sobre a ação de militares durante o período.
;Cabe observar que uma manifestação tolerando os abusos cometidos pelo regime de exceção pode ameaçar o próprio legado do presidente, eclipsando os palpáveis avanços alcançados;, diz o relatório da Secretaria de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, incluído na ação.
Recentemente, Lula orientou os ministros a evitarem polêmica e, adotando um tom mais conciliador, o ministro Paulo Vannuchi, responsável pela secretaria, pregou o bom senso na discussão. ;Não é justo que os integrantes das Forças Armadas carreguem o peso por violências que foram praticadas somente por algumas dúzias.; Segundo o ministro, o voto do relator do caso, Eros Grau, pode não resolver de maneira direta a questão, mas deve indicar o dever de o Estado fazer uma ;narrativa; oficial sobre os fatos ou permitir a abertura dos arquivos secretos. ;Ele (Eros Grau) é uma pessoa que foi preso político, foi torturado. Ele não terá uma posição do tipo: esse assunto vai ser encerrado. Não é pão, pão, queijo, queijo, mas tem um rumo, incorpora argumentos à demanda.;
Vannuchi e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, protagonizaram o racha no governo sobre o assunto. Parecer jurídico da pasta que comanda os militares diz que, caso o Supremo julgue procedente a ação, poderá ;conduzir a resultado oposto àquele buscado; e ;a Corte estaria criando divergência atualmente inexistente no que se refere à lei;. No entendimento do ministério, os crimes cometidos àquela época já estariam prescritos.
Contexto histórico
Tanto a Advocacia-Geral da União (AGU) quanto a Procuradoria Geral da República (PGR) se posicionaram pela improcedência da ação. Entretanto, em nenhum dos dois órgãos a decisão foi unânime. A decisão da consultoria jurídica do governo, na época presidida pelo hoje ministro do Supremo José Antônio Dias Toffoli, contrariou pareceres elaborados por órgãos da Presidência da República e do Ministério da Justiça.
Para a AGU, o contexto histórico mostra que ambos os lados (militares e militantes políticos) foram beneficiados pela anistia e que a mesma se encontra numa situação jurídica consolidada. Já a Casa Civil, comandada até a semana passada pela pré-candidata do PT ao Palácio do Planalto, Dilma Rousseff, que foi perseguida pelo regime ditatorial, diz, nas informações juntadas ao processo, que se pode estabelecer o perigoso precedente no sentido de garantir a impunidade. Para o órgão, o STF precisa deixar claro que tal conduta (a tortura) não será tolerada.
O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, irá fazer a sustentação oral no julgamento e que a proposta quer passar a limpo a história do país. ;A questão é muito importante. A decisão do STF vai agradar um lado e desagradar outros. Mas precisa ser tomada.; Caso o Supremo seja favorável a ação, caberá ao Ministério Público investigar as práticas de tortura no país e apresentar eventuais ações penais. Do contrário, caberá ainda recurso às cortes internacionais.
MUDANÇAS NO PNDH
O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) chegará à Câmara dia 28 com alterações no texto que abordava legalização do aborto, exibição de símbolos religiosos em locais públicos, mediação do conflito entre ruralistas e sem-terras e restrições à atuação de empresas de comunicação. O ministro da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, informou ontem, durante audiência conjunta de seis comissões no Senado, que fará alterações no programa ;corrigindo erros; de trechos rejeitados por representantes da sociedade civil. ;O programa tem 521 ações, em torno de 500 não tivemos nenhuma controvérsia.; (JJ)
; Entenda o caso
Em vigor desde 1979
Promulgada em 28 de agosto de 1979, a Lei de Anistia foi um dos primeiros passos do governo militar no sentido de garantir o retorno da paz necessária para a redemocratização brasileira. A lei anistiou os brasileiros que tiveram os direitos e garantias violados durante a ditadura, por terem supostamente cometido crimes políticos e eleitorais. No entanto, a norma acabou beneficiando também agentes do estado acusados de torturas e mortes de opositores.
No fim da década de 1970, a lei beneficiou militares, servidores públicos, dirigentes e representantes sindicais. Deixou de fora apenas os condenados por crime de terrorismo, assalto, sequestro e atentado.
Inconformada com a anistia de torturadores, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro de 2008, na qual contesta o artigo 1; da legislação. A entidade pede uma interpretação mais clara do trecho da lei que concede perdão aos acusados de praticarem crimes ;conexos;, relacionados aos crimes políticos ou de motivação política.
Na avaliação da OAB, a lei ;estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crime;, o que atinge, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, agentes públicos acusados de homicídio, tortura e estupro.
; Pedido de punição
O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), sugeriu ontem uma multa de R$ 4 mil aos advogados do ex-deputado federal Roberto Jefferson, um dos 39 réus na ação penal do processo do mensalão, que teriam feito ;manobras; para atrasar o andamento do processo. Prevaleceu, porém, o entendimento de enviar à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) uma cópia das notas taquigráficas e do resultado do julgamento de ontem, ocasião em que 13 pedidos de Jefferson foram negados, para que a entidade decida se haverá punição.
Apesar de não conseguirem emplacar a punição financeira, os ministros apostaram no efeito pedagógico e sugeriram que o país discuta mecanismos de controle para evitar que advogados ;tumultuem; processos penais. ;Acho que há um abuso por alguns profissionais;, afirmou a ministra Cármen Lúcia. ;Não é necessário criar outro tipo de controle, e ele está à disposição do juiz, que pode aplicar as penalidades previstas;, avaliou o presidente da OAB, Ophir Cavalcante.
Entre os pedidos negados em plenário estava o de Luiz Francisco Corrêa, advogado do réu, para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse incluído no rol de acusados que respondem à ação penal do mensalão. O esquema em que parlamentares supostamente receberam dinheiro em troca da aprovação de projetos de interesse do governo foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Para os ministros, somente o órgão poderia incluir Lula como réu na ação.
O advogado de Jefferson acusa Joaquim Barbosa de ;ocultar informações do processo; diante do Supremo. Ele disse que vai aguardar a publicação das decisões de ontem para avaliar se entrará com novos recursos. (DA e AR)