No ninho tucano, haja gelo para injetar nas veias... Se até então era o governador de São Paulo, José Serra, quem pressionava o governador de Minas Gerais para que este aceitasse ser o seu vice na chapa presidencial do PSDB na eleição de outubro, ontem Aécio Neves virou o jogo. Na inauguração da Cidade Administrativa Tancredo Neves ; evento milimetricamente coreografado para exaltar a importância de Minas no cenário político nacional e a musculatura de Aécio no jogo sucessório ; Serra, que ainda reluta em assumir a candidatura e vê ameaçada a liderança nas pesquisas de intenção de voto, foi pressionado durante duas horas, na frente de 8 mil pessoas, a ceder a vaga ao colega mineiro. Ao lado de Aécio, por três vezes, um impassível Serra ouviu um coro de milhares de pessoas a gritar: ;Aécio presidente, Aécio presidente, Aécio presidente... ;.
Os símbolos já indicavam que Serra cairia num alçapão. Afinal, Aécio inaugurava uma ;cidade administrativa; projetada por Oscar Niemeyer (1) (como Juscelino Kubitschek fizera em Brasília há 50 anos) justamente no dia em que Tancredo Neves completaria 100 anos. As efemérides e a evocação direta aos dois ex-presidentes mineiros eram suficientes para transmitir a mensagem política do evento. Mas Aécio fez mais. Em seu discurso, relembrou os demais mandatários da nação que saíram das montanhas das Gerais: Afonso Pena (1906-09), Venceslau Brás (1914-18), Delfim Moreira (1918-19), Artur Bernardes (1922-26) e Itamar Franco (1992-95).
É provável que Serra soubesse da arapuca. E provável também que tenha decidido encará-la por pura falta de opção, já que corteja Aécio e os 14 milhões de votos de Minas, segundo colégio eleitoral do país. O governador, contudo, talvez não imaginasse que seria massacrado pelo ;espírito de Minas;. Sim, foi um massacre de signos.
Já na chegada à Cidade Administrativa, o governador paulista foi bombardeado com a visão de mais de 400 bandeiras do estado na rodovia MG-010. Depois, ao caminhar ao lado do governador mineiro até as cadeiras reservadas às autoridades, viu que Minas até podem ser muitas, mas o candidato do estado é um só: Aécio. Foram certamente os 100 metros mais difíceis para Serra nos últimos anos. No trajeto, escutou o hino do estado (Oh! Minas Gerais...) misturado a um lúgubre repicar de sinos e assistiu ao governador mineiro ser ovacionado pela plateia. Ainda na metade do percurso, os signos foram substituídos por um recado explícito: milhares de vozes a gritar: ;Aécio presidente, Aécio presidente, Aécio presidente... ;. No edifício Tiradentes, debaixo do maior vão livre do mundo, com 147 metros, Serra não mexeu um músculo. Mas para quem alimentava a esperança de ter o governador mineiro como seu sub, foi um nocaute.
Já sentado, teve de engolir mais símbolos, como a música Peixe Vivo (a preferida de JK), um áudio com a voz de Tancredo (;O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade...;) e um vídeo institucional com o bordão publicitário do governo do estado: ;Minas mostra o caminho;. Era só um slogan, mas parecia provocação. Era a vez de Aécio falar, informou a madrinha da cerimônia, a atriz Christiane Torloni. De gravata vermelha, o governador subiu ao palco. Parece mentira, mas aconteceu: a chuva que até então caíra fina e insistentemente parou, e as nuvens cinzas deram lugar a um sol abrasador, emoldurado por um céu azul. No palco, um orgulhoso Aécio Neves anunciou: ;Temos aqui hoje as maiores autoridades da República;. De fato, lá estavam o vice-presidente, José Alencar, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, seis governadores e dezenas de deputados federais e senadores ; todos a testemunhar o suplício de Serra.
Ainda no começo da fala, o governador de Minas foi mineiramente solidário com o colega. Primeiro, tratou-o por ;grande companheiro e amigo;. Depois, resgatando-o da vexação, saudou-o: ;Seja muito bem-vindo a Minas Gerais;. Serra, então, foi aplaudido
Recados
Ainda no palco, Aécio mandou uma mensagem, como costumam dizer os cronistas políticos. Citando Afonso Arinos, afirmou que a história não é o passado tampouco o futuro. ;O tempo da história é o sempre;, disse. O que isso quer dizer, ninguém sabe. Uma frase elástica o suficiente para caber em todas as elucubrações sobre seu futuro político. Aécio será candidato ao Senado? (Ele diz que sim.) Aécio será candidato a vice? (Ele diz que não.) Aécio será candidato a presidente? (Ele diz que não, também.) Mas quem há de saber? O tempo da história é o sempre. Ao fim de sua fala, o governador mineiro deu vivas a Tancredo e a Minas. José Alencar fez um discurso protocolar e a cerimônia finalmente foi encerrada por Milton Nascimento, que cantou Para Lennon e McCartney (;...sou do mundo/sou Minas Gerais;). Serra foi então tragado pela multidão e pelas autoridades que se dispersavam. Foi-se embora sem discursar (não foi convidado a fazê-lo) e sem dar uma entrevista coletiva.
1 - Niemeyer ausente
Autor do projeto arquitetônico da Cidade Administrativa, Oscar Niemeyer, de 102 anos, residente no Rio de Janeiro (RJ), não pôde comparecer à inauguração. Mas nem por isso ficou longe da festa. Por meio do seu neto, o administrador Carlos Oscar Niemeyer. ;Agora, Belo Horizonte, Niterói (RJ) e Brasília (DF) são as cidades com maior número de obras do meu avô;, disse Carlos Oscar, responsável pela administração do escritório de arquitetura de Niemeyer. ;O meu avô está bem de saúde, mas, como não viaja de avião, teria que vir do Rio de carro, o que seria muito penoso para ele;, disse Carlos Oscar.
; Análise da notícia
Elegância tradicional
A elegância, muitas vezes tão distante da política, venceu a arrogância de parte da oposição, que insiste em apresentar cartas marcadas, quando o cenário político pede sabedoria, em lugar da imposição. Na solenidade de inauguração da Cidade Administrativa, os gritos da plateia de ;Aécio presidente; não foram capazes de tirar do governador a velha tradição conciliadora de Minas. Ao contrário, Aécio deu exemplo e fez questão de afagar seu ;amigo;, entre aspas porque foi palavra sua no discurso, governador de São Paulo, José Serra (PSDB). É mais um sinal que explica o temor do Palácio do Planalto de enfrentá-lo nas urnas. Com Aécio, fica muito mais difícil fazer a comparação tão desejada pelo presidente Lula com a gestão de Fernando Henrique Cardoso. Em seu discurso, o governador de Minas fez um passeio pelo passado honrado e pela rica história de Minas, da defesa da democracia com Tancredo Neves ao desenvolvimento de Juscelino Kubitschek, entre tantos outros presidentes. Era um olhar para o passado de gente que enxerga o futuro.