A implantação de novo modelo de ponto eletrônico no Senado deflagrou uma crise que mobiliza três pilares da Casa: servidores efetivos, comissionados e os próprios senadores. Ato baixado pelo primeiro-secretário, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), regulamentou a marcação de presença dos funcionários de toda a Casa. Mas a norma não está está valendo para todos. Os servidores lotados nos gabinetes dos senadores ; em Brasília, e nos escritórios políticos espalhados por estados e pelo Distrito Federal ; não são obrigados a obedecer as regras impostas aos que atuam na estrutura administrativa. Uma onda de revolta dominou a rede interna de computadores. E-mails em que são feitos ataques a Heráclito e ao novo modelo circulam nas caixas de mensagens. Servidores estão abandonando os trabalhos no plenário ao meio-dia em ponto, quando o sistema registra automaticamente a ausência para o período de almoço. Diante do impasse, o alto escalão da Casa trabalha para evitar a paralisação dos serviços no Senado.
Entre as "táticas de guerrilha" adotadas por alguns funcionários do Senado estão a de um servidor bater o ponto por vários outros e a paralisação de funções exatamente ao meio-dia" />Os servidores efetivos são os que mais demonstram irritação com o novo sistema. Para eles, no afã de dar satisfações à imprensa, o Senado baixou norma burocrática, que não respeita o funcionamento da Casa e privilegia funcionários escolhidos por critérios políticos. O ponto eletrônico foi uma promessa feita ainda no ano passado pelo presidente José Sarney (PMDB-AP) como forma de conter os gastos milionários com pagamento de horas extras ; em 2009, R$ 87,6 milhões foram pagos a título de serviços extraordinários.
O ato do senador Heráclito Fortes prevê que todos os servidores são obrigados a bater o ponto primeiro às 8h30 da manhã. Das 12h às 14h, o sistema registra automaticamente a ausência para almoço. A saída deve ser marcada às 18h30. Todos os servidores só podem receber até duas horas extras por dia de trabalho, de terça a quinta-feira. Em retaliação ao que chamam de rigidez, na última segunda-feira, ao meio-dia, servidores da Secretaria-Geral da Mesa abandonaram a sessão no plenário. Já que a ausência é marcada automaticamente, não viram motivos para permanecer em seus postos e deixaram os afazeres.
A acusação de que o modelo atual beneficia os comissionados é baseada em resolução publicada antes do ato de Heráclito. Ela garante aos senadores a prerrogativa de fixar as normas sobre os horários de trabalho de funcionários lotados em seus gabinetes e lideranças. A mesma resolução isenta da norma imposta pelo ato de Heráclito os integrantes da Comissão Diretora. Ela tem força maior que o ato do senador. Excluídos esses funcionários, quase metade do efetivo (48%) fica livre do controle imposto pelo ponto.
Ciente dos ataques que está sofrendo nos corredores da Casa, Heráclito Fortes tenta minimizar a crise e garante que o regime atual ainda está em fase de testes. ;Nós estamos cumprindo a carga horária prevista na lei, e ainda vamos discutir a questão da jornada de trabalho. Não se faz um omelete sem quebrar ovos;, afirmou, lançando mão de um jargão para justificar a insatisfação de parte dos funcionários da Casa.
Um por todos
Heráclito responde às críticas dos servidores no mesmo tom. ;Tem gente que assina o livro de presença uma vez por semana. Estou fazendo o que é certo. Não quero o Tribunal de Contas da União em cima de mim;, concluiu. O senador disse, ainda, que a ;guerra; que se instalou no Senado é promovida por uma ;minoria;.
Em corrente oposta, os servidores defendem a implantação do ponto biométrico (em que a presença é marcada após identificação da digital do servidor). Segundo eles, alguns servidores estão dando um ;jeitinho; para não ter que chegar cedo ao trabalho. Apenas um servidor chega no horário, e, de posse da matrícula dos demais, bate o ponto de todos.
O senador Heráclito garante que o modelo atual ainda está em teste. ;Vai funcionar assim por 90 dias, mas ainda vamos discutir o assunto;, ressaltou. Uma coisa é fato: a medida mudou o cenário do Congresso. Logo no início da manhã, um engarrafamento de carros se forma nas entradas do Senado. Servidores correm para bater o ponto. E como, salvo dias excepcionais, às 8h30 não existem atividades nas comissões, nem senadores na Casa, há quem registre presença e saia para voltar mais tarde.
"Nós estamos cumprindo a carga horária prevista na lei, e ainda vamos discutir a questão da jornada de trabalho. Não se faz um omelete sem quebrar ovos"
Heráclito Fortes, primeiro-secretário do Senado (DEM-PI)