Cinéfilo de carteirinha, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), bate ponto nas sessões que vão da meia-noite às duas da manhã nos cinemas da capital paulista. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, por sua vez, não pode ver um cachorro andando pelas ruas. Mesmo quando está em companhia de uma comitiva de autoridades, não resiste e acaricia o cão. Ela também adora queijo, tem fixação por artes plásticas e se emociona com apresentações de tango. Já o Zé, como Serra é chamado pelos amigos e pelos companheiros do bairro da Mooca, é um exímio dançarino. Mostrar o lado mais humano dos dois nomes que polarizam a disputa eleitoral à presidência será a missão dos assessores e marqueteiros que irão construir - ou, de certo modo, desconstruir - a imagem pública desses candidatos. Isso porque, no meio político, o rótulo já está posto: esta será a campanha dos antipáticos.
A ministra da Casa Civil e candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sucessão presidencial teve de aprender a administrar a fama de mulher durona, que vive aos gritos com auxiliares. Também não raro José Serra é definido por seus desafetos como uma pessoa seca, que não desperta paixão nem em aliados. Quem os conhece de perto, no entanto, jura que quase todas essas interpretações são formuladas com base em clichês que não se aplicam à intimidade dos dois personagens.
E são essas características, mais humanas, palpáveis e desconhecidas pela maioria do eleitorado, que serão exploradas na campanha eleitoral. Em conversa com um dos ministros que integra o staff de preparação de Dilma para a campanha, o Correio descobriu que, até hoje, ela chama a filha única, Paula, 32 anos, de bebê. "Não é à toa que o Lula apelidou ela de mãe do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Ela tem um instinto materno de proteger os seus que é muito forte. O próprio Lula é alvo dessa proteção. E isso vai transparecer durante este processo (eleitoral)", avaliou o ministro.
Quanto à aparente frieza de Serra, pessoas mais próximas atribuem essa impressão à timidez que assola o governador. O senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB e amigo de José Serra "há mais ou menos 30 anos", o classifica como uma pessoa
"extremamente preocupada com a compostura". %u201CVocê nunca vai ouvi-lo dizer, como fez o presidente Lula, que ele vai fazer saneamento básico para tirar o povo da merda. O Serra vai dizer que vai investir em saneamento para melhorar a vida do povo", ilustrou. Na campanha, a timidez será traduzida como seriedade e segurança. "O voto no Serra é um voto seguro. O eleitor sabe que terá um homem obstinado à frente do país, que irá fazer uma gestão de responsabilidade", indicou Virgílio.
No ano de 2002, em que Serra enfrentou o presidente Lula nas urnas - e perdeu -, a estratégia quase não deu certo. A timidez de Serra por pouco não inviabilizou a gravação de um dos quadros de seu programa eleitoral. Ele estava cercado de crianças, e a tomada deveria retratar momentos descontraídos, como os exibidos em propaganda de sabão em pó. Mas as cenas ficavam artificiais, mecânicas. Depois de várias tentativas, a equipe de filmagem decidiu fazer um intervalo. Serra permaneceu no local cercado apenas de assessores mais próximos e das crianças. Longe do público, brincou com elas.
Dificuldades
A equipe havia saído, mas tinha deixado as câmeras ligadas. Foi essa cena, a da brincadeira genuína, que satisfez os marqueteiros e foi ao ar. "Sem saber que estava sendo gravado, ele se soltou. Num círculo mais íntimo, com pessoas que ele conhece e com as quais se sente bem, o Serra é um homem extremamente engraçado e agradável. O problema dele é a timidez", explicou o aliado que narrou o fato.
Já a ministra Dilma padece de outro mal, segundo pessoas mais chegadas. Ela teria uma dificuldade imensa em expressar ou demonstrar qualquer tipo de fragilidade - o que muitas vezes é interpretado como falta de afetividade. Parte dos entrevistados ouvidos pelo Correio atribuiu tal postura ao meio em que a ministra galgou a carreira política. Primeiro na guerrilha contra a ditadura militar, depois exercendo cargos em pastas majoritariamente masculinas, como o Ministério de Minas e Energia.
O ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, amigo da ministra há 42 anos e integrante do staff montado para assessorar a campanha de Dilma, disse, no entanto, que ela é "fechada" desde jovem. "Dificilmente você vai ver a Dilma dando uma gargalhada em público. Ela é assim. Sempre foi mais calça jeans do que vestidinho rosa", ilustrou.
Isso, no entanto, asseguram os entrevistados, não faz com que ela seja pouco feminina. Dilma é vaidosa. Frequenta salões de beleza com regularidade. Tem seus batons prediletos e não gosta de ser fotografada despenteada. Também adora plantas. Trouxe várias para sua residência em Brasília e cultiva outras tantas em Porto Alegre, onde tem uma casa. Tem paixão por artes plásticas. As músicas que mais gosta - vai de MPB a Beatles, do já citado tango até a música erudita - ficam arquivadas em uma pasta do laptop. A ministra é viciada em queijo. Mineira, chega a pedir que separem alguns para que ela deguste entre uma reunião e outra.
Mas é claro que a fama de esquentada não foi conferida a ela à toa. Todas as pessoas próximas a Dilma que foram ouvidas pelo Correio usaram, em algum momento, a palavra "austera" para adjetivá-la. "Ela não é briguenta, mas é rígida e cobra resultados no trabalho. Dilma não é chegada a 'achismos'. Se convence diante de argumentos palpáveis, cientificamente comprovados. Pode ser daí que vem essa imagem", argumentou o líder do PT na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP).
Já os afeitos a José Serra foram unânimes no uso do termo "sério" para descrevê-lo. "Ele é seriíssimo, disso não se tem a menor dúvida. E concentrado. Mas quem o conhece sabe que ele é leve, que tem um senso de humor muito interessante. Ele é um homem obstinado e exigente, mas muito sensível. Serra não tolera o superficial", resumiu o amigo, empresário e político paulista Andrea Matarazzo.
Expressão
José Serra adora poesias. Escuta desde Nelson Gonçalves e Lupicínio Rodrigues até os Beatles. Também gosta de forró. E tem uma curiosidade profunda sobre a natureza humana. Certa noite, voltando do cinema às 2h15, flagrou um jovem pichando um muro. Desceu do carro e passou longo tempo conversando com o rapaz. Não o censurou. Voltou para o veículo contando que queria entender tamanha necessidade de se expressar.
Relaxamento
No ano passado a ministra Dilma Rousseff se submeteu a sessões de quimioterapia para tratamento de um câncer linfático. Segundo pessoas próximas, a ministra sempre tratou o tema como uma coisa que seria facilmente superada. Perdeu o cabelo durante o processo. Em entrevista à revista Piauí disse que até isso tinha tido um efeito gratificante. %u201CÉ bom sentir a água escorrendo direto na cabeça%u201D, afirmou.